A secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato, professora Cláudia Gruber, escreveu um artigo destacando o caso das meninas Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de 8 anos, e Rachel Genofre, de 9 anos, para fazer o alerta sobre o papel da escola e da sociedade na prevenção e no combate do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes. Dois crimes violentos que chocaram o país. Histórias de duas meninas que saíram de casa para ir à escola e nunca mais voltaram.
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“Infelizmente, existe uma chamada “cultura da violência” enraizada em nossa sociedade que deixa nossas crianças e adolescentes expostos, pois agressões e punições físicas foram naturalizadas com o passar dos séculos como uma forma de disciplinar, educar. Isso faz com que os agressores sintam-se impunes e continuem a praticar tais violências, muitas vezes, intensificando-as e levando à morte milhares de adolescentes e crianças”, escreve a professora, que atua na rede estadual de ensino e é mestra em Estudos Literários.
O caso da Araceli, por exemplo, cujo desaparecimento ocorreu em 18 de maio de 1973, tornou-se um marco e motivou a criação da Lei 9.970/2000 que institui o dia 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data visa alertar a sociedade sobre a prevenção e a denúncia da violência sexual contra crianças e adolescentes, que são expostos a diversas formas de abuso diariamente.
Leia abaixo a íntegra do artigo e conheça a história sobre o caso da menina Rachel Genofre.
Araceli e Rachel não voltam mais
Dia 18 de maio de 1973, uma menina saiu de casa para ir à escola e nunca mais voltou. Essa menina, de oito anos, era Araceli Cabrera Sánchez Crespo, que foi raptada, drogada, estuprada e morta, tendo seu corpo carbonizado e depois abandonado em uma região de mata na cidade de Vitória (ES).
O caso, que chocou a sociedade, teve repercussão nacional, pois os supostos assassinos, Dante de Barros Michelini e Paulo Constanteen Helal, eram de famílias ricas e influentes da cidade. As investigações foram diversas vezes interrompidas e atrapalhadas, o que resultou na inocência dos acusados e, 52 anos depois, o crime continua impune.
Como forma de reparar a morte de Araceli, a data do seu desaparecimento tornou-se o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data, instituída pelo Congresso Nacional em 2000 (Lei 9.970/2000), tem a intenção de alertar a sociedade sobre a a necessidade de prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes, bem como denunciar tais abusos, já que os mesmos são expostos cotidianamente a diversas formas de violência nos ambientes por eles frequentados.
Dia 3 de novembro de 2008, outra menina saiu de casa para ir à escola e nunca mais voltou. Essa menina, de nove anos, era Rachel Genofre, que foi raptada, estuprada e morta, tendo seu corpo abandonado em uma mala na Rodoferroviária de Curitiba (PR). O assassino, Carlos Eduardo dos Santos, só foi descoberto em 2019 por cruzamento de dados de DNA, tendo o mesmo praticado pelo menos outros seis crimes contra crianças e adolescentes de 4 a 14 anos. Julgado e condenado, sua pena foi de 50 anos.
Casos como o de Araceli e Rachel não são isolados. Assim como elas, milhares de outras crianças também perderam a vida de forma tão trágica e cruel.
Infelizmente, existe uma chamada “cultura da violência” enraizada em nossa sociedade que deixa nossas crianças e adolescentes expostos, pois agressões e punições físicas foram naturalizadas com o passar dos séculos como uma forma de disciplinar, educar. Isso faz com que os agressores sintam-se impunes e continuem a praticar tais violências, muitas vezes, intensificando-as e levando à morte milhares de adolescentes e crianças.
Em 2024, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) registrou 274.999 denúncias de violência contra crianças e adolescentes nos canais Disque 100 e Ligue 180. As queixas feitas em outros canais, como 190 (Polícia Militar), 197 (Polícia Civil) e 181 (Disque Denúncia), não aparecem computadas aqui. Ainda há um problema maior aqui, as subnotificações, já que há muito medo e vergonha por parte das vítimas em denunciar. Tal medo vem do fato da maioria dos agressores estarem em contato direto com as vítimas, dentro de casa. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em 2023, apurou que 80% dos casos de agressões contra menores de 14 anos ocorrem dentro de casa, por familiares.
Ao analisar esses dados, observa-se que a Região Sul traz números preocupantes. Entre os dez estados com maior número de denúncias, os três estados sulistas aparecem Rio Grande do Sul (14.014), Santa Catarina (11.100) e Paraná (10.845). Já entre os 15 municípios com mais queixas, aparece Curitiba.
Diante desse cenário, é imperativo que escolas e educadores tenham um olhar mais atento aos possíveis sinais de violência nas crianças e adolescentes, já que os mesmos nem sempre são apenas físicos. O que muitas vezes é caracterizado como indisciplina ou baixo rendimento escolar pode ser um sinal comportamental de que algo está errado, muito errado.
No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Artigo 70-A, é dito que:
Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações:
[…]
III – a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente.
Seja qual for o tipo de violência, ela é inadmissível e traz sérias consequências para a vida dessas crianças e adolescentes. Portanto, todos os dias do ano devem ser também um 18 de maio, com olhares mais atentos e preocupados de toda a sociedade, que precisa se ver envolvida nas denúncias e na prevenção contra possíveis abusos e violências sexuais contra nossas crianças e adolescentes, já que enquanto vítimas, elas não têm, na maioria das vezes, a percepção da violência a que podem estar sendo submetidas pois, Araceli e Rachel não voltam mais.
Por Cláudia Gruber: professora da rede estadual de ensino, mestra em Estudos Literários, secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato.
:: Dicas de leitura
>> LOUZEIRO, José. Aracelli meu amor. Barueri: Editora Prumo, 2013.
>> QUINTINO, Felipe & CHAGAS, Katilaine. O Caso Araceli – Mistérios, Abusos e Impunidade. São Paulo: Alameda Editora, 2023.