Em 11 de julho do ano passado, publicamos artigo neste portal do Brasil de Fato Paraná intitulado: “70 mil mortos: O Brasil perdeu a guerra para o Covid-19”. Passados dez meses, eis que o Brasil supera 430 mil mortos. Naquela mesma data, o Paraná contava 999 mortos. Nesta semana, nosso estado superou a marca de 24 mil óbitos. Naquele registro ressaltávamos que o presidente Bolsonaro, ao expelir seus dois primeiros ministros da saúde e optar pela toupeira que se revelou o general Pazuello, fazia uma aliança com o pior dos mundos. Optava por expor o povo brasileiro à face sombria da morte. Naquele mesmo período, estimativas davam conta de que o Brasil poderia chegar a 120 mil mortos caso não fosse realizado um planejamento adequado para lidar com a pandemia.
O cenário de guerra perdida se transformou em terra arrasada. É difícil encontrar adjetivos que qualifiquem com precisão a escolha que o governo brasileiro fez e aplicou com a anuência dos demais poderes. A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado só foi aberta por determinação do Supremo Tribunal Federal. O resultado, a conferir, poderá ser positivo se houver pressão social. A apatia da maioria do povo e a estridência da parcela bolsonarista expõem mais uma vez a face histórica do nosso país, ou seja, uma república dominada por uma elite entreguista, antipovo e golpista em essência. Toda vez que houve um início de avanço para a massa pobre, ocorreu golpe de estado (Getúlio Vargas, João Goulart, Dilma Rousseff, prisão de Lula). Mas é uma elite muito capaz de conviver com 21 anos de ditadura civil/militar e aturar o atual presidente, içado ao poder pela fraude das mentiras, do ódio de classe e total desapego à vida do povo. Essa elite cuja representação parlamentar se expressa no chamado Centrão tolera tais governos, pois se alimenta da chantagem que a favorece financeiramente. É uma elite capaz de garantir liberação do orçamento de emendas para favorecimento de seus currais eleitorais e virar as costas para a mortandade do povo. Alguém imagina que durante uma pandemia o recurso público não deveria ser todo focado no combate ao vírus?
No Paraná a situação da pandemia é gravíssima. O governador Ratinho Jr (PSD), que num primeiro momento ensaiou tornar o estado um laboratório para alavancar a vacina russa, que recentemente afirmou que o retorno escolar presencial só se daria com a vacinação dos profissionais da educação, agora se deixa conduzir pelas pressões de interesses econômicos e outros mais. No período em que os índices demonstram que estamos entre os três estados com maior número de contaminações por Covid 19, flexibiliza o isolamento social, autoriza reabertura de escolas sem a segurança que só a vacinação da maioria da população poderá garantir.
Na última semana a APP-Sindicato divulgou a nota técnica “Avaliação da Pandemia de Covid-19 no Estado do Paraná, necessidade de manutenção de medidas até avanço da vacinação”. No documento pesquisadores do Inpa – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia –, da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais –, Ufam – Universidade Federal do Amazonas–, UFSJ – Universidade Federal de São João del-Rei – e por uma pesquisadora aposentada do Instituto Butantã afirmam a necessidade de aplicação de medidas rigorosas de isolamento no Paraná. Um lockdown de 21 dias seguido de monitoramento contínuo, ao mesmo tempo em que a vacinação fosse acelerada, preveniria maior número de óbitos ao esmagar a curva de contaminações. Infelizmente, o governo estadual e a maioria dos prefeitos não seguem esse caminho. Ao optar por medidas como retomada de aulas presenciais nas redes municipais, particular e estadual, flexibilizar mais uma vez a abertura do comércio como foi para o final de semana do Dia das Mães e repetir o discurso negacionista preponderante no país, assumem o risco de apostar na morte e no surgimento de novas ondas e cepas do vírus aqui no estado.
A APP-Sindicato, por representar trabalhadores/as que lidam com a ciência, o conhecimento e o processo de ensino-aprendizagem optou pela aposta na vida, desde o início da pandemia. Sabemos que a maioria do povo e dos professores/as, funcionários/as e estudantes deseja urgentemente voltar às escolas, como afirmou o próprio governador, mas numa pandemia não é o desejo que deve prevalecer, mas sim a ciência, para que vidas sejam preservadas.
No mesmo artigo acima citado, registrávamos o seguinte enunciado: “O que fazer com essas lideranças que não vêm cumprindo com seus papeis de proteger a vida do povo? Essa reflexão precisa ser feita. Não é possível imaginar que fiquem impunes diante de tantas perdas desnecessárias. Pensar num tribunal popular para o julgamento público desse povo pode ser uma alternativa”. Essa reflexão continua necessária. O que fará o Poder Legislativo nas esferas municipal, estadual e federal? Vai exercer seu papel constitucional de fiscalizador do Poder Executivo? O Sistema Judiciário continuará abrindo as portas ao negacionismo? A imprensa, que todo dia divulga o número de mortos, continuará festejando a retomada de atividades escolares que resultam em surtos de contaminações? Ficará a pandemia brasileira e paranaense como mais um capítulo da impunidade dos poderosos? A resposta é uma só. Nos mobilizamos e superamos a apatia ou entraremos num período de anomia e aprofundamento da exploração do sangue do povo. Lutar é preciso. Viver também é preciso!
*Hermes Silva Leão, pedagogo e professor de Educação Física da Rede Estadual do Paraná e presidente da APP-Sindicato / Coluna Brasil de Fato – Paraná.