Apatia e adoecimento: Novo Ensino Médio coloca educação a serviço do projeto neoliberal de sociedade APP-Sindicato

Apatia e adoecimento: Novo Ensino Médio coloca educação a serviço do projeto neoliberal de sociedade

Essa é a conclusão da doutora em Educação Camila Grassi no Seminário Revoga o Novo Ensino Médio, realizado na APP na noite de terça-feira (29)

Que projeto de educação o Novo Ensino Médio materializa? Responder a essa questão foi o objetivo da palestra da doutora em Educação Camila Grassi no Seminário Revoga o Novo Ensino Médio, realizado no auditório da APP na noite de terça-feira (29). A resposta dela é que a reforma visa tornar a educação um instrumento de adequação da vida à lógica do neoliberalismo.

Camila Grassi

As mudanças destroem o sentido da escola e devem ser revogadas, para o bem da educação e de nossos jovens, defende Camila. Ela afirma que a perda de sentido da escola se soma à perda de sentido da vida dos estudantes, dos professores e do trabalho docente, formando um quadro de apatia, desmobilização e adoecimento das comunidades escolares.

“Ser professor é ter uma identidade. Retirar essa identidade e a significância do trabalho docente como um trabalho intelectual e criativo é retirar a força vital dos trabalhadores da educação. Produz adoecimento e a perda da energia que a gente tem para continuar construindo aquilo em que a gente acredita”, diz Camila.

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Para a educadora, a reforma do Ensino Médio destruiu o papel da escola na construção de sonhos, na autodescoberta dos(as) estudantes e no acesso deles a conhecimentos historicamente construídos. “É a morte da juventude, porque uma juventude que não vê sentido na escola, que não vê sentido na vida, é uma juventude que não consegue construir história nem cultura”, afirma.

Camila observa que a reforma educacional aconteceu combinada com mudanças trabalhistas e previdenciárias. “Quero destacar a conexão da reforma educacional com a reforma trabalhista, que chamam flexibilização de direitos, mas na verdade é retirada de direitos, uma precarização do trabalho e um rebaixamento das condições materiais de vida da classe trabalhadora”, diz.

Cidadania Sacrificial

A educadora recorre ao conceito de Cidadania Sacrificial para explicar causas e efeitos da reforma no Ensino Médio. “As reformas trabalhista, previdenciária e educacional têm materializado um projeto que a gente vem chamando de Cidadania Sacrificial, que é um projeto de um novo tipo de sociedade, com a progressiva privatização dos direitos sociais”, explica.

O conceito de Cidadania Sacrificial foi desenvolvido por Wendy Brown, filósofa norte-americana. “Para essa Cidadania Sacrificial existir é preciso uma nova subjetividade humana, adequada a aceitar e se adaptar à negação de direitos”, diz Camila. 

“Não é possível que essa subjetividade humana se realize sem uma reforma educacional que se organize a partir de competências e habilidades, que esteja estruturada com a negação de direitos e de acesso ao conhecimento”, afirma a educadora.

A Cidadania Sacrificial sintetiza uma subjetividade pautada em um sacrifício de direitos, supostamente em benefício de todos. “É o contrário da cidadania pautada em direitos que garantam a dignidade da vida de forma mais ampla”, resume Camila.

Lógica da governança 

Camila faz um alerta sobre a aplicação da “lógica da governança” para impor a Cidadania Sacrificial nas escolas. “Paralelamente ao Estado, entidades empresariais organizadas na forma de redes de governança, como Todos pela Educação, Movimento pela Base e Colabora Educação, passam a operar na política educacional e a criar elementos de controle para que esse projeto possa ser efetivado”, explica.

A lógica da governança traz para a gestão pública a ideia de que é possível gerir o Estado como uma empresa, de que isso é sinônimo de excelência. Nesse contexto há o avanço do Filantropo-capitalismo, com entidades do terceiro setor, apoiadas pelo mercado, atuando dentro do Estado para criar novos mercados no campo educacional.

“A reforma do ensino médio é uma maneira de criar um mercado educacional, uma vez que reformas que não foram construídas tomando como referência professores, estudantes e pesquisadores da educação vão gerar problemas. Então há entidades que vão lucrar com isso oferecendo o que eles chamam de soluções educacionais”, afirma Camila.

Ao mesmo tempo em que fortalece empresas que oferecem essas “soluções”, o Novo Ensino Médio enfraquece a educação. “Nossas pesquisas na UFPR mostram que aumentou a desigualdade educacional, o abandono escolar, a perda de sentido na escola, o adoecimento docente. Isso é desempoderamento das bases escolares”, aponta.

Nesse contexto, a educação é apenas um instrumento de adequação da vida à lógica do neoliberalismo. “Isso tudo vem com uma roupagem de novidade, mas materializa um projeto que é alheio às bases sociais a que destina. Falam em formar pessoas protagonistas, empreendedoras, que pensam em seu projeto de vida, mas uma classe popular que não tem nenhum direito vai construir que projeto de vida?”, questiona.

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