por Marcos Hidemi de Lima, doutor em Letras e professor da UTFPR em Pato Branco
Contaram-me que manhã e parte da tarde do sábado passado foram bastante movimentadas na APP, como é mais conhecido o “Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná – Núcleo Sindical de Pato Branco”. Organizado pelas professoras Márcia de Fátima Martinez, Diuliana Claudia Baratto, Loize de Oliveira e Tania Mara Guarneri, houve na sede do sindicato um “Coletivo Feminista”, com direito a números musicais de Juliane Baseggio, ao qual compareceram perto de cem mulheres.
Talvez uma e outra pessoa se indaguem qual a finalidade de um coletivo feminista, uma vez que, como se vê na mídia, o país vai muito bem para todos, obrigado e, consequentemente, não haveria motivos para as mulheres se queixarem da vida. Mas basta um olhar um pouco mais arguto para qualquer um perceber que não é bem assim. Na conjuntura política atual, não há nenhum mar de rosas para homens e muito menos para as mulheres, que acabam sempre ficando com boa parte dos espinhos.
O tom da abertura do “Coletivo Feminista” fez questão de negar essa falácia de que as mulheres têm vivido no melhor dos mundos. Baseando-se nos dados do “Mapa da violência-2015”, o público foi informado que o Brasil adora matar suas mulheres. A nação do “homem cordial” já ocupa o lamentável quinto lugar entre os países que praticam tal atrocidade e, pelo recrudescimento da violência a que todos têm assistido diariamente, em breve, infelizmente, nossa “pátria amada, idolatrada” vai começar a ocupar os principais patamares do pódio dessa vergonhosa prática. Para exemplificar com alguma coisa mais próxima da gente, no Paraná que as propagandas oficiais não mostram, entre 2006 e 2013, foram assassinadas em média 52 mulheres por ano.
O “Coletivo Feminista” não se restringiu a mostrar essa faceta abjeta da morte de tantas mulheres. Algumas palestrantes salientaram, em tempos de “Lei Maria da Penha” e “Lei do Feminicídio”, outras formas de violência contra o público feminino, entre as quais se destacam o assédio moral e o sexual, o estupro, as desigualdades na órbita do trabalho, a falta de assistência social, as ações ainda incipientes das delegacias da mulher etc., etc.
As palestrantes procuraram demonstrar também outros aspectos no sentido de incentivar o empoderamento feminino. Uma das convidadas, Josiane Wedig, professora da UTFPR de Pato Branco, doutora em Ciências Sociais e coordenadora do grupo de pesquisa “Juventude e Cartografias da Diferença”, tratou sobre o clube de leitura “Leia Mulheres”. Sob sua batuta, o grupo de mulheres foca os estudos em obras de autoria feminina. Segundo ela, o “Leia Mulheres” funciona em pelo menos cinquenta cidades brasileiras. Junto com a professora também esteve presente nos debates a aluna do curso de Letras da UTFPR Giovanna Bendia Pereira, representante na instituição do coletivo de estudantes “As Amazonas”, que defende a igualdade dos gêneros e discute a violência contra as mulheres.
A outra convidada do “Coletivo Feminista” foi a professora de História e membro do “Conselho Municipal dos Direitos Humanos da Mulher” Angela Zolet Palma. Na sua exposição, ela salientou que os direitos conquistados pelas mulheres foram resultados de muitas lutas. Demonstrou isso ao traçar o histórico da condição submissa e inferiorizada da mulher na sociedade desde a ascensão da burguesia no século XVIII. No Brasil onde tudo acontece tardiamente, a conquista a uma relativa igualdade de direitos só foi possível graças à pressão que as mulheres exerceram junto aos constituintes de 1988, salientou a professora. Mesmo assim, apontou Angela, ainda faltam ser vencidas a ditadura da beleza, as variadas formas de violência contra as mulheres e outras práticas socioculturais que as vêm espezinhando faz muito tempo.
As outras duas palestrantes foram Olinda Setti, aposentada da rede estadual de educação e agora proprietária e professora de uma academia de ioga, e a escrivã da Polícia Civil Elza Luiza Pfaffenzeller. A primeira frisou o quanto a ioga pode ajudar no empoderamento das mulheres, pois se trata de uma prática que atua no equilíbrio do corpo e da mente. Por seu turno, a escrivã comentou que as delegacias da mulher existem há cerca de 30 anos, e só se transformaram numa realidade em virtude das queixas das mulheres contra o atendimento feito por policiais homens a determinadas situações embaraçosas por elas vividas. Demais, ela apontou que a “Lei Maria da Penha”, ao tipificar os vários tipos de violência contra a mulher, melhorou bastante o desempenho dessas delegacias.
O ponto alto do “Coletivo Feminista” foi a fala de Lirani Maria Franco, ex-dirigente da “Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)”, professora aposentada da educação do Paraná e atualmente respondendo pela “Secretaria da Mulher Trabalhadora e Direitos LGBTI” da APP Sindicato. Lirani destacou a importância dos coletivos feministas. Eles são capazes de mostrar o predomínio ainda de uma ordem machista e patriarcal na sociedade, geradora de várias formas de violência contra as mulheres, entre as quais está o estupro. Lirani mostrou assustadores percentuais relacionados ao estupro. Além disso, ela ressaltou a cultura do cuidar como inerente à natureza feminina, impactando negativamente nas atividades exercidas pelas mulheres no mercado de trabalho. Segundo Lirani, as mulheres só têm tido reconhecimento profissional apenas nalgumas ocupações consideradas “femininas” como docência, assistência social, pediatria psicologia e obstetrícia. Para mudar essa situação, cabe aos coletivos o papel fundamental de promover a conscientização feminina por meio de debates que resultem no fortalecimento das relações igualitárias entre mulheres e homens.
As organizadoras do “Coletivo Feminista” na APP de Pato Branco prometeram para o início do próximo semestre outro evento semelhante a esse. Para quem perdeu os debates do último sábado, está bem próxima mais uma oportunidade de poder discutir os vários problemas que as mulheres ainda têm passado em pleno século XXI.