Agentes da história: a trajetória de lutas dos(as) funcionários(as) de escola por reconhecimento e valorização

Agentes da história: a trajetória de lutas dos(as) funcionários(as) de escola por reconhecimento e valorização

Reportagem especial resgata momentos marcantes da organização dos(as) trabalhadores(as) de escola para sair da invisibilidade e exigir valorização e o reconhecimento de profissionais da educação

Ao longo da história da APP-Sindicato, e especialmente nas últimas últimas décadas, os(as) funcionários(as) de escola têm consolidado a identidade desse segmento da categoria dos(as) profissionais da educação e mostrado para governos e sociedade que não são meros executores de tarefas, mas agentes ativos do ensino e da aprendizagem.

Na defesa de seus direitos, criaram associação, sindicato, fizeram greve de fome, marcha entre Ponta Grossa e Curitiba, ocupações, campanhas e mobilizações para dialogar com a comunidade. Houve, inclusive, ações para conscientizar o próprio segmento de que, independente do cargo que exercem dentro da escola, também são educadores(as).

Entre tantas vitórias, a lei do plano de carreira, sancionada em 2008, e a inclusão do segmento no rol de profissionais da educação reconhecidos pela lei nacional de diretrizes e bases da educação (LDB), em 2009, são consideradas duas das maiores conquistas da organização e da luta desses(as) trabalhadores(as).

Leia também: Lutas e conquistas da APP-Sindicato

“Antes nós não éramos reconhecidos, mas a partir do momento que passamos a ocupar uma área profissional, desencadeou todo o fortalecimento para chegar a um plano de carreira e à própria formação. A política de valorização, a partir da profissionalização, foi o pontapé inicial”, relata o funcionário de escola José Valdivino Moraes.

A organização sindical dos(as) funcionários(as) teve início com Sinsepar, que depois mudou de nome para Sinte, antes de unificar com a APP – Foto: Arquivo

 

Mobilização dos(as) funcionários(as), realizada em 2006, enfatizou a importância de ser visto como educador(a) – Foto: Arquivo

Atualmente secretário-executivo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Valdivino, como é mais conhecido, é um exemplo da transformação que esse movimento de luta promove na vida profissional do(a) trabalhador(a) de escola e devolve para a população como um serviço público de qualidade.

Valdivino conta que ingressou como funcionário no ano de 1986, no Colégio Estadual José Siqueira Rosas, de Ivaiporã, norte do estado, mas sentia vergonha por passar escovão, varrer sala de aula e lavar banheiro de escola. Frustrado com o baixo salário e com a falta de prestígio da profissão, chegou a se formar em pedagogia e exercer também a função de professor pedagogo. 

Pouco tempo depois, após se engajar na luta sindical, deixou o magistério. Foi presidente do Sindicato dos Servidores dos Estabelecimentos de Estaduais do Paraná (Sinsepar) – que depois passou a se chamar Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Paraná (Sinte) – e participou do processo de unificação da entidade com a APP-Sindicato, onde também integrou a direção estadual.

“Hoje sou um funcionário da educação que não tem mais aquela frustração”, lembra Valdivino. Isso porque, para ele, a partir da mobilização em prol do reconhecimento e valorização, os(as) funcionários(as) de escola foram motivados a estudar e a aprofundar a concepção de que são educadores(as). “Então a sociedade passou a ter dentro das escolas profissionais com a capacidade intelectual bem desenvolvida do ponto de vista pedagógico, não só na sala de aula, mas também na secretaria, no pátio, na cozinha, em todos os espaços da escola”, explica.

Em 1997 acontece a unificação do Sinte com a APP-Sindicato agrupando a luta de funcionários(as) e professores(as) – Foto: Arquivo

Greve de fome

Nunca foi fácil enfrentar governos tiranos e cruéis com o funcionalismo estadual. Apesar disso, Valdivino recorda com satisfação de ter participado de diversas batalhas, pois afirma que é com organização e luta que a classe trabalhadora resiste aos ataques, conquista seus direitos e contribui na construção de uma sociedade justa para todos(as).

Em 1998, por exemplo, ele e mais sete professores(as) iniciaram uma greve de fome para reverter medidas neoliberais do governo. A gestão Jaime Lerner tentava destruir a estrutura de organização dos(as) educadores(as) cortando a consignação da mensalidade sindical na folha de pagamento.

“Foi um momento meio assustador, porque a gente não tinha muita experiência de greve de fome. Eu mesmo não ouvia nem falar sobre isso. Mas, na época, nós estávamos sendo destruídos. Não tínhamos outra saída. Então eu recordo com satisfação de ter participado de um momento tão duro e tão difícil, porque se não tivéssemos feito a greve de fome a APP poderia não ter conseguido sobreviver”, relata.

Encontro estadual de funcionários(as), reuniu mais de 2 mil pessoas em abril de 2004; a atividade foi fundamental no processo de mobilização pelo plano de carreira – Foto: Arquivo

 

A campanha Prato Vazio, lançada em 2020, denunciava para a sociedade os baixos salários recebidos pelos funcionários de escola – Foto: Arquivo

Marcha histórica

Outro registro marcante na luta pelo plano de carreira dos(as) funcionários(as) foi uma marcha de 120 quilômetros entre Ponta Grossa e Curitiba, no ano de 2006. “A gente decidiu isso porque tinha que dar visibilidade. As pessoas não sabiam que existiam funcionários dentro das escolas. Foram cinco dias na rua, na estrada, andando debaixo de sol, debaixo de chuva, para as pessoas enxergarem que a gente existe”.

O relato é da funcionária de escola, Silvana Prestes Rodacoswiski, que atualmente é secretária de Organização da APP-Sindicato. Ao relembrar as dificuldades enfrentadas, ela se emociona e não contém as lágrimas. “Foi bem difícil. Eu choro toda vez”, justifica com a voz embargada. 

“Teve um dia que a gente andou 25 quilômetros. Você parava, não sabia se queria dormir, tomar banho ou ir ao banheiro. A gente não aguentava, deitava e descansava, e no outro dia seguia direto caminhando”, conta. 

No terceiro dia de caminhada, Silvana recorda que, enquanto assistiam o filme Diário de Motocicleta – obra baseada em fatos reais e que aborda uma viagem feita de motocicleta por Che Guevara e um amigo pela América do Sul -, uma forte chuva surpreendeu a todos e a enxurrada molhou os colhões dos manifestantes. “Foi bem forte. Daí no outro dia não tinha colchão para dormir”, lembra.

Marcha entre Ponta Grossa e Curitiba, em 2006, foi importante para luta pelo plano de carreira e para a comunidade também perceber que os(as) funcionários(as) existem – Foto: Arquivo
Após saírem de Ponta Grossa em caminhada, funcionários(as) vencem 120 quilômetros de estrada e chegam a Curitiba – Foto: Arquivo

Mas nem as intempéries da natureza impediram os(as) funcionários(as) de continuar. Silvana diz que cerca de 60 funcionários(as), incluindo ela, concluíram o trajeto. A servidora explica que a avaliação daquele momento é de que se fosse uma greve ou outra forma manifestação, não teria o mesmo resultado. 

E a categoria estava certa. “A RPC acompanhou a gente. A mídia acompanhou, os caminhoneiros, que vinham acompanhado pelo rádio, saiam da serra e traziam caixas de banana pra gente, porque era bom para cãibra. Teve muita solidariedade e uma visibilidade muito grande”, cita.

Profuncionário

Quem também caminhou para sair da invisibilidade foram os(as) participantes do Programa de Formação Inicial em Serviço dos Profissionais da Educação Básica dos Sistemas de Ensino Público, o Profuncionário. Criado em 2007, após muita mobilização do segmento, o curso proporcionou a efetiva profissionalização dos(as) funcionários(as) de escola, oferecendo formação específica, de acordo com as atividades desempenhadas em cada função, como gestão, alimentação, multimeios e infraestrutura.

Elizabete Eva Almeida Dantas, atual secretária de Funcionários(as) da APP-Sindicato, foi um(a) dos(as) servidores(as) formados(as) na primeira turma do Profuncionário no estado. Para ela, que ingressou na escola com vínculo CLT, no ano de 1985, numa época em que as tarefas da secretaria eram todas manuais, com máquina de datilografia, o aprendizado foi revolucionário em todos os sentidos e além da questão financeira.

Formatura da primeira turma do Profuncionário lotou o Teatro Guaíra, em 2009 – Foto: Arquivo

“Quando eu comecei a fazer o Profuncionário, a gente tinha muitos questionamentos. Eu nunca me esqueço que cheguei numa escola, tinha na porta uma plaquinha escrito “sala dos professores”, mas não tinha nada de funcionários. Um dia eu cheguei pro diretor e falei: olha, a partir de amanhã você vai colocar “sala dos professores e funcionários”, porque nós também existimos dentro da escola. Esse espaço também é nosso”, conta.

“Fora de sala de aula a gente também educa. Mas muitos funcionários não tinham essa visão. Achavam que era só chegar na escola, abrir a porta, limpar a sala, fazer a merenda ou entrar na secretaria. Então o Profuncionário foi muito bom para todos se identificarem como educadores e se sentirem valorizados dentro da escola”, ressalta a dirigente.

Para adquirir os novos conhecimentos, Elizabete percorreu mais de 100 quilômetros, entre ida e volta de Sertanópolis até Londrina, todos os sábados, durante dois anos. “Eu não tinha mais sábado. Não podia ter nenhuma falta, faça chuva ou faça sol. Eu não esquecia e levantava às seis horas da manhã pra ir até Londrina”, conta.

Assinatura do plano de carreira dos(as) funcionários(as) de escola, em 2008 – Foto: Arquivo

Foi literalmente um caminho sem volta. Ela lembra que teve até quem duvidou de sua capacidade, mas que a consciência forjada nas lutas organizadas pela APP-Sindicato e no Profuncionário solidificaram as bases para romper com a lógica escravocrata que desvaloriza e invisibiliza quem atua em atividades classificadas como menos relevantes pela cultura opressora.

Elizabete fez três cursos superiores e foi diretora de escola por duas gestões. “Eu nunca tive a pretensão de ser diretora, nunca. Mas sempre o pessoal da escola perguntava. Fui eleita com 90% dos pais e 78% da escola. Na reeleição, o restante veio tudo comigo. Aí não teve mais eleição. Eu fui direto pra continuar. Então, eu considero que o Profuncionário me ajudou a saber que a gente pode ocupar os espaços”, exemplifica.

Edição especial do Jornal 30 de Agosto, no ano de 2008, destacou o envio do projeto de lei sobre o plano de carreira para votação na Assembleia Legislativa : Foto: reprodução

Veja também: Jornal 30 de Agosto: Edição Especial – Funcionários(as) da Educação 

Funcionários(as) em Foco

E nesta busca por espaços, na Semana da Educação, em abril de 2017, foi ao ar nas redes sociais da APP-Sindicato a primeira edição do programa Funcionários(as) em Foco. Idealizado e comandado pela então secretária de Funcionários(as), Nádia Brixner, o informativo com as principais pautas que norteiam o debate do segmento surgiu para conversar com o máximo possível de funcionários(as) e como estratégia para superar as limitações de dar conta de visitar todas as escolas.

“A gente começou com 15 minutos e, de repente, estava com programas de 40 a 45 minutos. A audiência também passou a aumentar e o programa começou a se tornar uma rotina para os funcionários. Recebemos relatos, inclusive, de escolas onde os funcionários se juntavam às cinco da tarde no laboratório de informática para assistir o programa”, relembra a dirigente que atualmente comanda a Secretaria de Administração e Patrimônio da APP.

Com apenas um celular na mão e seu carisma marcado por um sotaque sulista e a saudação “boa tarde, gente boa!”, Nádia conduzia os primeiros programas de onde estivesse. Mas com o sucesso da iniciativa veiculada quinzenalmente, logo as transmissões passaram a ser realizadas a partir do estúdio da sede estadual da APP e depois começou a contar com apoio técnico da Secretaria de Comunicação do sindicato.

Quinzenalmente, às terças-feiras, Funcionários em Foco é transmitido ao vivo nas redes da APP-Sindicato – Foto: reprodução
Na edição de 25 de julho de 2017, o programa Funcionários em Foco abordou a prevenção de acidentes de trabalho – Foto: reprodução

“O programa tem uma importância fundamental porque ele leva a informação a todos os nossos funcionários de escola. Isso faz com que eles estejam unificados na luta que a APP-Sindicato vem fazendo em defesa da valorização dos funcionários da escola. E dessa forma, as pessoas não se sentem tão sozinhas. Faz com que eles não se sintam desamparados e se sintam parte desta luta”, comenta Nádia. 

Desde a estreia do Funcionários em Foco, já são mais de seis anos de programa, mais de 100 edições, levando conteúdo, respondendo dúvidas e também pautando temas formativos. Outra característica do informativo é sempre tratar das especificidades dos(as) funcionários(as) dentro da perspectiva da luta coletiva de todos(as) os(as) profissionais da educação, ou seja, da qual também os(as) professores(as) são parte. 

Dias melhores

Apesar do plano de carreira e do reconhecimento na LDB e de todas as demais conquistas ao longo de décadas de luta, o cenário que se apresenta diante dos(as) funcionários(as) de escola é desafiador. O segmento tem os piores salários do funcionalismo estadual e também enfrenta os efeitos da aprovação da Lei 20.199/2020, proposta pelo governador Ratinho Jr., que extingue os cargos de Agente Educacional I e II, e autorizou a terceirização da contratação de novos(as) trabalhadores(as) de escola.

“O funcionário terceirizado não é profissionalizado. E a profissionalização é muito importante para o funcionário saber o espaço que ele está ocupando e a importância que ele tem. Isso é uma perda muito grande”, lamenta Elizabete. “Quando você chega numa escola onde ainda temos quadros efetivos e profissionalizados, é um padrão muito mais elevado. Quando você chega numa escola onde a terceirização avançou, você percebe a perda da qualidade nos processos”, compara Valdivino.

Funcionários(as) e professores(as) resistiram por mais de 170 horas em greve de fome na porta do Palácio Iguaçu, em novembro 2020, contra as terceirizações e outros ataques do governo Ratinho Jr. – Foto: APP-Sindicato

Mas se o governo pensa que venceu, está muito enganado. Quem avisa são os(as) educadores(as) ao reviver as memórias da força de suas lutas e vitórias e ao profetizar esperança no futuro. “Nunca foi fácil, nunca veio nada de graça. Sempre a gente teve que lutar e a luta sempre se dá coletivamente para buscar dias melhores. Eu tenho certeza que dias melhores estão por vir”, anuncia Elizabete.

A recuperação salarial do Quadro de Funcionário da Educação Básica (QFEB) é uma das pautas prioritárias da Campanha Salarial aprovada em assembleia da categoria. As discussões com o governo sobre a revisão da tabela estão avançadas e a expectativa é de que a nova proposta seja aprovada neste semestre. A APP-Sindicato também segue mobilizando a categoria e articulando em diversas instâncias em busca de revogar a terceirização e exigir a retomada de concurso público.

APP e secretário da Administração e Previdência debatem concurso público e salário dos(as) funcionários(as) de escola – Foto: APP-Sindicato

Valdivino também diz que está otimista. Ele destaca que nos últimos seis anos dos governos Temer e Bolsonaro houve um retrocesso muito grande no país, mas que o momento atual é de esperança. Em nível nacional e internacional, uma das discussões em andamento trabalha pela aprovação de um piso salarial nacional para os(as) trabalhadores(as) de escola. Em outra frente, segundo ele, também se discute a aprovação de diretrizes nacionais de carreira, tanto para professores(as), quanto para funcionários(as). 

“Agora nós temos novas perspectivas. Sabemos que temos que lutar muito e nos organizar, olhar para frente e saber que nós temos força, temos organização e capacidade de reverter esses retrocessos. Já superamos um momento muito difícil aqui no estado do Paraná e tivemos um momento vitorioso. Então teremos vitórias novamente pela frente”, enfatiza.

Leia também

Isso vai fechar em 5 segundos

MENU