A Semana Pedagógica e o Mito da Caverna, entre a aparência e a essência

A Semana Pedagógica e o Mito da Caverna, entre a aparência e a essência


O filósofo Platão, há mais de 2.300 anos, escreveu o Mito da Caverna, onde mostrou a importância de diferenciar a aparência da essência. A cada ano, na Semana Pedagógica, a SEED nos lembra da velha alegoria de Platão, ao organizar a formação como um repetir de fórmulas como imagens projetadas na caverna, enquanto suas verdadeiras concepções se escondem. O discurso da SEED é impregnado de termos progressistas, o que induz a aparência de uma educação inclusiva e democrática, mas esconde a essência de um conteúdo meritocrático e individualista, que dá prioridade ao preenchimento de planilhas em detrimento do estudo e responsabiliza as pessoas e as escolas pelos problemas educacionais. O que a SEED não sabe é que a categoria diferencia perfeitamente as sombras projetadas e a realidade da educação enfrentada no dia a dia das escolas.

Os discursos da Secretária e da Superintendente nos vídeos de abertura, apontam para a importância do trabalho coletivo e para a construção de uma educação para todos e todas. Porém, no vídeo Geração Atitude, salta aos olhos o caráter individualista do projeto, com o mote “A Mudança Começa em Você”. Trata-se de uma espécie de propaganda da Assembleia Legislativa, desprovida de qualquer possibilidade de crítica, com materiais que não inovam no conteúdo. A fala do Deputado Ademar Traiano é reveladora: trata-se de “VENDER uma imagem diferente do poder legislativo quando retornarem (os jovens) às suas comunidades”. Em ano de eleições, nos parece muito propício para o governo que imagens da Assembleia, projetadas na caverna, sejam vendidas como progressistas e democráticas.

Outro ponto que merece reflexão é o vídeo do professor Cortela, ao falar de qualidade da educação. Ele faz uma defesa extremada da função de “escolarização” da escola, em detrimento do seu caráter “educativo”. Este tipo de afirmação reforça o senso comum de que a escola não tem nenhuma responsabilidade na formação de valores e comportamentos, como se ela não colaborasse para a formação de gerações críticas ou domesticadas e sua função se resumisse a passar o conhecimento “científico”. Há muito tempo sabemos que não existem conhecimentos e sujeitos escolares “neutros”, pois toda a educação tem uma intencionalidade que é política e pedagógica (lembremos que este governo defendeu a denúncia de professores(as) que falassem de política em sala de aula).

Ao falar em “Qualidade da Educação” a SEED não estabelece nenhum parâmetro a partir de onde possam partir os debates. A ausência de uma conceituação esconde a verdadeira opção da SEED pelos testes padronizados, pela meritocracia individualista. Esperava-se que o texto selecionado, do professor Luiz Dourado trouxesse elementos mais objetivos para esse debate. Mas o recorte que a SEED fez, com apenas um anexo descontextualizado, não contribui para um aprofundamento. Trata-se de um relatório do INEP, com mais de 50 páginas, onde os autores trazem, com fundamentação e exemplos concretos, como se deve abordar a questão da qualidade na América Latina e os pressupostos defendidos pela UNESCO. (ver link).
Ainda na linha de falta de conceituação, as atividades propostas para a educação especial são preocupantes: sem base teórica de referência, os(as) trabalhadores(as) desta modalidade são chamados a definir, no coletivo da escola, o que é uma educação de qualidade e a partir daí traçar ações. Mais uma vez, o debate fica limitado à responsabilização exclusiva dos(as) trabalhadores(as) pela qualidade nesta modalidade. Esta pretensa autonomia da escola para tomar decisões, esconde, mais uma vez, os posicionamentos da SEED sobre a educação especial.

A orientação de trabalhar o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos é positiva (a despeito das ações deste governo em 2015, tendo como corolário o episódio de 29 de abril). Entretanto, o tempo dedicado a este debate é exíguo. Este tema poderia ocupar mais tempo, se estudado com profundidade e articulando vários aspectos da escola.

A Gestão Democrática na Escola (3º dia) sempre foi uma defesa dos(as) Trabalhadores da Educação, porém, o material da SEED a reduz em mero instrumento administrativo a ser debatido apenas por diretores(as) e pedagogos(as). Para nós, a Gestão Democrática é a construção de um método de trabalho coletivo, em que todos(as) os sujeitos da comunidade escolar têm vez e voz. Esta é a primeira semana pedagógica dos(as) novos(as) diretores(as), momento oportuno para um debate sobre gestão democrática com toda comunidade escolar, mas a SEED entende que isso deve ser feito apenas entre a equipe pedagógica e as direções. Os(as) estudantes, funcionários(as), mães, pais e responsáveis, são chamados a participar da construção do Plano de Ação, mas, assim como em outras semanas pedagógicas, acontece nos primeiros dias da semana deslocados dos debates de formação pedagógica. A SEED discursa sobre uma aparência democrática mas sua intencionalidade pedagógica é essencialmente de fragmentação do trabalho educativo. Não fosse assim, o debate sobre Gestão não teria sido colocado no ultimo dia da formação e sem a participação de toda a comunidade escolar. A SEED deveria ter colocado o tema da Gestão Democrática para ser debatido no primeiro dia, exercitando as propostas colocadas pela Prof.ª Josemary Marastone, de colocar em funcionamento as instâncias colegiadas contemplando todos os sujeitos da comunidade escolar. Este tema deveria ser abordado com profundidade, partindo de uma dialética entre os princípios e a prática, com exemplos do cotidiano e de como realizá-la. Assim, sugerimos a leitura do texto da APP-Sindicato sobre o tema da Gestão, levando em consideração a realização do Dia D – a APP na escola.

Delinear a “escola que temos e a escola que queremos”, trabalho proposto pela SEED para o segundo dia, não pode se restringir a um plano em que somente a escola é responsável. A construção de uma escola de qualidade vai para além do espaço da escola, exigindo ações do poder público. Assim, ao listar os problemas que enfrentamos no cotidiano escolar, devemos explicitar as responsabilidades internas e externas. O quadro de problemas e soluções não deve ficar apenas afixado nos corredores da escola, como sugere a SEED, mas que aponte as responsabilidades de cada âmbito, desdobrando em ações internas e aquelas de responsabilidade do Estado, encaminhando para a SEED aquilo que compete à gestão pública.

Os debates sobre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) poderiam ser mais aprofundados, pois apenas a leitura dos princípios de cada área do conhecimento não dá conta de questões essenciais como a discussão entre a fragmentação dos conteúdos e a integração dos temas. Propomos que as escolas façam uma comparação entre os direitos de aprendizagem dos alunos e seus conteúdos da BNCC com as Diretrizes Curriculares Nacionais, pois as DCNs são de fato o acúmulo de educação integral e articulada e por mais que os documentos da Base Nacional Curricular Comum afirmem que se pauta nos documentos das DCNs, na prática expressa uma grande distância.

Em relação ao funcionários(as) de escola, as propostas de trabalho fazem um gravíssimo reforço da divisão social do trabalho, aprofundando a discriminação que já ocorre nas escolas e que tanto lutamos para superar. Os conteúdos propostos são voltados “melhorar” o serviço manual, como aprender a lavar as mãos ou preencher documentos, esvaziando os debates pedagógicos e a importância educacional dos(as) funcionários(as) de escola. Sabemos que esses conhecimentos são importantes, mas poderiam ser tratados em outro momento. A Semana Pedagógica é um momento de DEBATE PEDAGÓGICO, onde professores (as), funcionários(as), equipe pedagógica, estudantes e comunidade estão juntos(as), para construção coletiva das propostas. Além disso, o fato da escola continuar funcionando, limita a participação de muitos(as) funcionários(as).

O caráter que a SEED tenta imprimir nesta Semana Pedagógica reforça nosso lema de que a escola é nosso território de luta e resistência. Temos que exigir mais clareza em seus posicionamentos, que, sob as sombras projetadas de democracia e participação, reproduzem políticas de esvaziamento do Estado. Acesse nossa Edição Pedagógica e os materiais selecionados para estes debates pela APP-Sindicato. Estamos sempre presentes na representação e na construção coletiva com a categoria para resistir e avançar no projeto da escola que realmente queremos.

Resistência e Luta! Um bom ano a todos e todas!

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