O que faz um héroi?
Esta pergunta lançada em uma sala de aula gerou diferentes respostas. De superpoderes até a pessoa que morre por uma causa, a maioria lembrou alguma virtude homérica para descrever uma figura quase mítica. No fundo, todos ali sonham em ser um pouco heróis e heroínas e se deliciam também com o reconhecimento que o título pode trazer. “Imagine só ter seu nome escrito em um livro de história?” ou “E sua vida toda contada em um livro?”, “Ah, mas o melhor mesmo deve ser todo mundo na rua te conhecer!”. A imaginação dos(as) alunos(as) corre solta quando a assunto é heroísmo.
Keila não tem uma capa mágica, nem uma visão de raio-x e tão pouco perdeu a vida lutando em uma batalha. Mas, assim como os(as) estudantes(as), quando criança pensava grande: queria salvar o planeta da fome e das guerras. Já que herói e heroína ainda não são profissões reconhecidas, Keila teve que se adaptar. No lugar da indumentária colorida ela tem um jaleco, usado para identificação profissional, mas também para proteger a roupa do pó do giz. O poder de ver através de objetos foi aprimorado, Keila aprendeu a, mesmo de costas, enxergar o que se passa em uma sala com, pelo menos, 30 pessoas. E, apesar de não ter morrido por uma causa, Keila enfrentou há pouco tempo uma batalha de verdade, daquelas de filme, com tiros e sangue, quando foi para a rua defender os direitos da sua profissão.
Keila é professora da rede estadual do Paraná e representa os mais de 100 mil profissionais da educação que, todos os dias, saem de casa com a missão de ensinar. Em seu trajeto encontram do desrespeito ao reconhecimento. Apesar da nobreza da profissão, passam os meses com salários enxutos e sofrem ainda mais por, na grande maioria das vezes, não terem condições ideais de trabalho. Esses profissionais, por mais absurdo que pareça, muitas vezes precisam ir às ruas se manifestar pelo direito a uma carreira digna. São eles que diariamente enriquecem o mundo com seu saber e que são capazes de com sensibilidade, voz e um pedaço de giz, mudar os rumos de uma sociedade.
Professores e professoras podem não ser reconhecidos como famosos, não ter seus nomes perpetuados nos livros de histórias ou biografias com suas histórias de vida, mas são verdadeiros heróis e heroínas da sociedade.
“Nestes 15 anos de profissão, um dos momentos que mais me marcou foi quando estava na sala, dando aula, e vi um homem de capacete pulando o muro da escola. O homem era um ex-menino de rua e ex-aluno meu. Um garoto que chegou na escola em situação de abandono: um pai que não o assumiu; a mãe, usuária de drogas; os irmãos menores na fila da adoção. Era uma situação de abuso tão grave que ele tinha surtos de violência na sala. Nesses momentos eu ia lá e conversava com ele sobre a vida. Aquele homem pulando o muro era esse meu aluno que veio me agradecer quando conseguiu o primeiro emprego! Ele chegou e me disse que a diretoria não o havia deixado entrar porque era horário de aula, mas que pulou o muro porque precisava me contar que havia tirado carteira de moto, tinha concluído o ensino médio e, agora, estava empregado.
Eu amo o que eu faço. A minha vida profissional vale a pena quando vejo que com o que eu ensino um aluno muda de postura, consegue um emprego, muda de vida! Eu adoro o que eu faço, sem dúvida nenhuma.”
Keila Patrícia Souza Rocha Molina é professora de história no Colégio de Aplicação Pedagógica da Universidade Estadual de Maringá. Como a maioria dos(as) trabalhadores(as) da educação, acumula mais de um emprego: leciona também na Educação de Jovens e Adultos, no município de Sarandi e no Colégio Estadual Branca da Mota Fernandes, em Maringá.