Final de ano é tempo de Natal e Ano Novo, a que na nossa tradição cultural – religiosa ou agnóstica, reserva momentos de confraternização e festa. Mas a insistência oficial no seu Projeto de Reforma da Previdência (PEC 87/2016), neste tempo, por ostensiva pressão do ídolo – “os mercados”, obriga-nos a voltar ao tema; ainda mais agora quando amigos do MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), à frente o Frei Sergio Goergen, praticam já o sétimo dia de greve de fome (11-12-2017) no recinto do Congresso Nacional, sob omissão informativa da mídia corporativa.
Tratar deste tema nas condições atuais requer um mínimo de informação situacional nos doze meses de tramitação da PEC 287/2016: um jogo que se iniciou em dezembro de 2016, modificado nos meados do ano pelo Relatório aprovado pela Comissão Especial da Câmara Federal; e outra vez modificado agora no final do ano por uma denominada “Emenda Aglutinativa”, ainda informal, que aguarda ‘quorum’ e forma final para ir a Plenário. O leitor não entendeu ainda do que se trata, nem lembra completamente da versão original, nem tampouco das mudanças em aberto. Intui, com razão, que se trama algo contra os direitos do trabalhador.
É preciso paciência e didatismo para não cairmos no campo do ceticismo, que é campo propício às manipulações da consciência, obstrutivas ao livre discernimento. É necessário partir da situação geral, estrategicamente almejada pelos promotores da ‘reforma’, daí derivando às situações particulares. O caminho inverso, dado o cipoal de normas e regras propostas, modificadas, alteradas novamente, mais confunde que esclarece, virando espaço fértil à manipulação ideológica.
Na verdade, há três regimes previdenciários em questão – a Previdência Social com vínculo à Seguridade Social, a Previdência do Serviço Público e a Previdência Complementar Privada; e um jogo estratégico dos donos do poder com a seguinte conformação.
Para a Previdência Social (paga benefícios de um salário mínimo a 5536,00 reais), o objetivo explícito é restringir dos direitos previdenciários ora vigentes (mais de 60 milhões de segurados ativos), tendo em vista obter sobras de recursos para outras destinações.
Para a Previdência dos Servidores Públicos (paga benefícios de um salário mínimo até o teto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, no entorno de 34,0 mil reais), o objetivo principal da reforma é promover compulsoriamente a criação dos Fundos de Previdência Complementar Privada em todos os entes federados. Esses Fundos seriam subvencionados pelas contribuições patronais às contas individuais dos servidores aderentes, enquanto que os não aderentes ficariam sem qualquer contribuição patronal. Mas como esses servidores precisariam esperar 30 a 35 anos, para adquirir tempo de aposentadoria, é esse o período de transição, dentro do qual os tesouros estatais alimentariam os fundos privados (das contribuições entre o teto do INSS, de 5.536,00 reais e o teto do serviço público, dos atais 34,0 mil reais). Nesse longo período de transição o ônus de pagar as aposentadorias e pensões pretéritas é integralmente da Previdência de Serviço Público dos Estados e Municípios incluídos compulsoriamente na reforma.
No primeiro jogo, qual seja o de retirada de direitos no campo do público vinculado ao INSS (9/10 do total de segurados ativos); e uma demanda por benefícios da ordem de 34,3 milhões de benefícios acumulados em cada mês (out.de 2017), 70% dos quais situados no valor do salário mínimo; houve recuos explícitos ao rol interminável de restrições do projeto original (PEC 287/2016). Mas permanecem ainda duas macros células malignas: a) a exigência de tempo de contribuição à Previdência Rural; b) a redução significativa no valor dos benefícios pagos à previdência urbana, com salários de contribuição acima do salário mínimo até o teto de 5.536,00 reais, achatados a 65% do salário médio de contribuição por toda vida laboral.
Sobre essa regra ‘b’, a malignidade é explícita, mas sobre a malignidade ‘a”, requer explicação, daí porque para chamar atenção à desinformação pública, os amigos do MPA optaram pela greve de fome. É que na Previdência Rural da Constituição de 1988, passando por todas as reformas desde então, a regra vigente é a do agricultor familiar comprovar tempo de trabalho e não tempo de contribuição monetária individual mensal, com se pretende na Emeda Aglutinativa. Com essa capciosa redação, exclui-se da Previdência Social os agricultores do semiárido nordestino, os ‘povos da floresta’, os ribeirinhos, os indígenas, quilombolas e tantos outros agricultores familiares que não realizam receitas mensais monetárias, mas sofrem dos riscos incapacitantes ao trabalho, que é o fato gerador da sua inclusão previdenciária. São estes mais frágeis da ordem social agrária, já acolhidos pelo direito previdenciário vigente, que se pretende excluir. Entendo o porquê do gesto profético do jejum e também da omissão midiática.
Finalmente, e para não cansar o leitor, a insistência por votar ainda em dezembro esse projeto, precisa ser entendida pelo seu objetivo principal, que no caso da Previdência do Serviço Público tem uma destinação explícita: passar o dinheiro do setor público, compulsoriamente, para os fundos de previdência complementar privados. E isto, independente da vontade de cada ente federado, como é a regra atual da EC 41/2003, aplicável desde 2013, depois da criação do FUNPRESP.
E pasmem os leitores, ainda se fala ao estilo pensamento único na cobertura midiática oficial e oficiosa, que a urgência da aprovação da PEC se deve aos objetivos do “equilíbrio fiscal”, quando a regra principal que se quer passar, eleva compulsoriamente o desequilíbrio fiscal dos Estados e Municípios ainda não aderentes.
Fonte: Sul21