Por: Agnaldo Ferreira dos Santos, advogado da APP-Sindicato
A Lei que protege as mulheres em razão da violência doméstica recebeu o nome de Maria da Penha em referência a cearense Maria da Penha Maia Fernandes, profissional da área farmacêutica. Com senso de justiça, ela conseguiu mostrar para a sociedade a importância de se proteger a mulher da violência sofrida, advinda de seu companheiro, dentro do seu próprio lar.
Esta Lei dá cumprimento as disposições contidas no § 8°, do artigo 226, da CF/88, que determina que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações“.
É sabido que a violência praticada contra a mulher no ambiente familiar assusta, porque onde deveria existir afeto, cumplicidade e carinho, por vezes sobressai a crueldade e o medo.
No dia 22 de setembro de 2011, a Lei 11.340/2006 completou cinco anos de existência. De acordo com informações colhidas no site do Superior Tribunal de Justiça, a quantidade de processos penais que chegam sobre violência doméstica contra a mulher é crescente – em 2006, foram 640 processos; em 2011, o número de processos autuados no Tribunal da Cidadania sobre a questão ultrapassou 1.600, um aumento de mais de 150%.
Alterações trazidas pela referida Lei deixaram mais rígido o tratamento dado à persecução penal a agressão doméstica contra a mulher. A norma legal triplicou a pena para lesão corporal leve no âmbito doméstico, permitiu a prisão em flagrante dos agressores e terminou com a substituição da detenção pelo pagamento de multa ou cestas básicas.
Fontes do STF informam, também, que de acordo com a pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em 2011, 80% dos brasileiros aprovam a Lei Maria da Penha. Segundo a fundação, quatro em cada dez brasileiras afirmam já ter sofrido algum tipo de violência doméstica, nos mais variados graus. Estatística que não teve variação desde 2001.
“A Lei Maria da Penha chegou tarde, mas chegou“. A constatação é do Ministro do STJ Og Fernandes. Membro da Sexta Turma e da Terceira Seção, órgãos que analisam matérias penais. O Ministro avalia que muitas tragédias antecederam a lei, até que se efetivasse a iniciativa de reverter a impunidade histórica no Brasil com relação à violência doméstica.
A Lei Maria da Penha tem a missão de proporcionar instrumentos adequados para coibir, prevenir e também erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, objetivando garantir a sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial.
Na opinião do Ministro Og Fernandes, é possível afirmar que a questão transcende as relações familiares para se transformar em um problema público nacional. “As estatísticas estão a indicar que a principal causa de homicídio de mulheres é exatamente a prática de violência anterior. Então, mais das vezes, as pessoas, no íntimo das suas relações familiares, não praticam homicídio contra a mulher como o primeiro gesto de violência. Começa com a agressão moral. Se ela não é combatida, há uma segunda etapa, que é a violência física, normalmente, em menor proporção. E, finalmente, pode-se chegar a esse tipo de aniquilamento da dignidade humana“, conta o ministro.
A conclusão é compartilhada pela cientista política Ana Claudia Jaquetto Pereira: “A experiência doméstica é pontuada pela violência“. De acordo com a consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria para Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (CFEMEA), o Brasil está em 13° num ranking internacional de homicídio contra mulheres.
E finaliza dizendo que “as taxas de homicídios contra as mulheres parecem baixas se comparadas com as dos homens. Os homens são mais de 90% das vítimas de homicídios no país. Mas a dinâmica dos homicídios é muito diferente. Os homens sofrem esta violência na maioria das vezes na rua e as mulheres, na maioria das vezes, são vítimas de homicídio depois de todo o ciclo de violência que acontece dentro de casa“, conta Ana Claudia. “No que se refere às estatísticas, estamos num cenário desanimador de desrespeito aos direitos humanos das mulheres“, observa.
Recentemente, o STF decidiu que não apenas a vítima de violência doméstica pode registrar ocorrência contra o seu agressor. A partir de agora, qualquer pessoa pode comunicar a agressão à polícia. O Ministério Público poderá apresentar denúncia contra o agressor mesmo contra a vontade da mulher agredida. Até então, apenas a vítima poderia representar contra o agressor em caso de lesões corporais leves. E a denúncia ficava condicionada à autorização dela – que, em muitos casos, mudava de ideia, retirava a ocorrência e o caso terminava arquivado.
Para o Relator do processo, Ministro Marco Aurélio “Não se coaduna com a razoabilidade deixar a atuação estatal a critério da vítima, cuja expressão de vontade é cerceada pela violência, que provoca o medo de represálias“.
Vê-se, portanto, que a mudança provocada pela Lei Maria da Penha, que inicialmente assustou os meios jurídicos, principalmente o criminal, que vislumbrava que o tratamento diferenciado dado ao homem agressor fosse discriminatório, felizmente não se concretizou. A diferença criada por esta lei é legítima e necessária, demonstrando mais uma vez que o Brasil está no caminho certo. Espera-se, por fim, que ela seja implementada e seguida em todo o país.
Referências:
– Constituição Federal de 1988.
– http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=103210, acesso em 20/09/2011.
– http://www.mariadapenha.org.br/a-lei/conheca-os-seus-direitos/ acesso em 20/09/2011.