Entrevistamos a professora Marlei Fernandes, presidente da APP-Sindicato, a respeito da valorização do magistério no Plano Nacional de Educação. Marlei foi professora do ensino básico na rede pública e é lider sindical desde 1996. A notícia do encaminhamento do relatório do PNE diretamente para apreciação do Senado, na última quarta feira, dia 5 de setembro, foi recebida com entusiasmo pela professora. Um dos temores dos profissionais da educação era a demora na tramitação do PNE caso tivesse que ser votado pelo Plenário da Câmara.
Blog Vanhoni: Como você começou a trabalhar na educação e nos movimentos sindicais?
Marlei Fernandes: Eu venho da militância do movimento estudantil e das pastorais já nos idos de 1980. A educação foi meu segundo emprego. Eu trabalhei num escritório em Paranavaí, estudei e me tornei professora. Comecei a trabalhar na educação básica aos 18 anos e ingressei na rede pública em 1990. Em 1993 já trabalhava no sindicato e me tornei dirigente sindical em 1996. De lá para cá sigo na luta pela educação, que é apaixonante, e não penso em parar enquanto não alcançarmos o padrão de qualidade que desejamos para a educação brasileira.
Blog Vanhoni: Qual a importância da aprovação do PNE para os profissionais da educação?
Marlei Fernandes: É fundamental que ele seja aprovado e entre em vigência o quanto antes. As metas que tratam dos trabalhadores da educação, a 15, 16, 17, 18, e 19 são estratégicas como o próprio plano demonstra. Nós nunca de fato tivemos uma valorização dos professores no Brasil e estamos recompondo este cenário nos últimos 10 anos. Para nós a Lei do Piso, de 2008, é uma conquista muito significativa. Foram 200 anos, desde 15 de outubro de 1827, data da primeira legislação educacional que marca o dia do professor, até 2008 para termos um piso salarial.
O Plano Nacional de Educação, em suas metas de valorização do magistério, resgata este conjunto de políticas que nós educadores brasileiros estamos lutando desde o período da redemocratização. O plano fala em respeitar a lei do piso, reafirma que todo o magistério no país precisa ter licenciatura, determina um prazo de dois anos, a partir da promulgação da lei, para o estabelecimento de um plano de carreira, e diz também que ao término da década 95% de todos os profissionais da educação deverão ser contratados por serviço público. Ou seja, vamos acabar com a terceirização, vamos acabar com o trabalho precarizado. Quanto antes nós tivermos a lei aprovada e sancionada, melhor. Porque ela vai acelerar a política de valorização do magistério no país e criar uma unidade nacional que não tivemos ainda ao longo de todos estes anos.
Blog Vanhoni: O PNE será encaminhado diretamente para apreciação do Senado sem ir a plenário na Câmara, o que pode acelerar sua tramitação. Como foi recebida esta notícia pelos professores?
Marlei Fernandes: É uma vitória para se comemorar. A Comissão de Educação da Câmara fez um trabalho minucioso, muito negociado para chegar neste projeto de lei. Ele foi aprovado na Comissão Especial, após muito debate, por unanimidade. De repente nós fomos surpreendidos com um recurso para que o projeto fosse a plenário da Câmara. Nós ficamos muito preocupados e imediatemente tomamos a medida de conversar com os deputados e dizer que eles estavam paralizando o maior projeto educacional brasileiro! Nós fomos para cima, como é do métier do movimento sindical, e saímos bastante vitoriosos. Conseguimos que os 6 deputados paranaeses retirassem suas assinaturas, e hoje, durante a nossa mobilização, pela manhã recebemos a notícia de que o recurso foi retirado. Se o PNE fosse a plenário dificilmente teríamos a votação este ano.
Blog Vanhoni: A meta 17 propõe equiparação do salário do professor ao de outros profissionais com o mesmo nível de formação. O que isto significaria de acréscimo, se aplicada hoje, à média salarial dos profissionais da educação?
Marlei Fernandes: Aqui no Paraná a gente luta por esta tese da equiparação desde 2006. O salário médio de um professor com licenciatura no Brasil é de R$ 2,500,00. A diferença salarial para outro profissional graduado é de 1.000 reais. A aplicação desta meta hoje elevaria o salário médio do professor para R$ 3.500,00.
Blog Vanhoni: Como ficam os planos de carreira no PNE?
Marlei Fernandes: O plano determina o prazo de 2 anos para que as redes que não tem seus planos de carreira os instituam e para os que já tem que os reformulem. Este é um dos principais desafios que temos hoje em termos de valorização para o magistério, porque em muitos lugares a interpretação política dos prefeitos e de muitos governadores tem sido transformar a lei do piso, que é inicial do magistério, no valor de R$ 1.450,00 em teto. Ou seja, destituiram as carreiras.
O PNE estabelece também um plano de carreira com promoções e progressões a partir de estudos e avalição de desempenho. Isto é muito importante para o magistério no Brasil e vai depender bastante do Fórum Nacional de Educação, que é outro instrumento que está dentro do PNE, com participação da sociedade civil. As duas Comissões de Educação, da Câmara e do Senado, serão fiscalizadoras deste processo. Nós teremos que trabalhar muito para que estas metas sejam atingidas em todo o país, desde os menores municípios até os grandes centros.
Blog Vanhoni: Outro aspecto da elevação salarial tem a ver com a perspectiva de formação continuada do professor. O que o PNE traz sob este ponto de vista?
Marlei Fernandes: O plano traz metas contundentes em relacão a ampliar o programa de formação continuada. Nós teremos a especialização lato sensu bastante ampliada para chegar ao final da década com 80% de todos os educadores com esta formação e a pós graduação stricto sensu, que é o mestrado, também chegue a 50% dos profissionais da educação básica. Colocar esta meta é um desafio para o ensino superior e traz a perspectiva para o professor de retornar aos bancos das universidades.
Blog Vanhoni: Como foi a participação da sociedade civil no debate do PNE?
Marlei Fernandes: Foram mais de 4 milhões de pessoas participando de um movimento na educação que nunca tínhamos alcançado e que reuniu trabalhadores, governos, pais e mães, sociedade civil organizada e movimentos sociais. Nós tivemos que aprender bastante a dialogar dentro das comissões com o governo e com a sociedade privada, tivemos que aprender a fazer consenso. Foi um grande movimento em torno da educação em nosso país que se iniciou com as Conferências de Educação já na Coneb em 2008, e depois nas Conaes em 2009.
Só no Paraná realizamos 198 conferências. Fomos aos municípios, tratando de temas da educação que depois se transformariam em metas e diretrizes do PNE, em lugares onde professores nunca tinham se reunido para fazer um debate educacional nas suas redes. Isso numa política institucional de governo que criou as condições para que isso acontecesse. Para nós foi o inicio de um processo revolucionário de debate de política pública. Nós trouxemos ainda boa parte das diretrizes das Conferências de Educação para dentro do PNE. Neste aspecto, o plano resultou de um grande debate educacional entre trabalhadores, gestores, governo e sociedade civil.
Blog Vanhoni: Houve uma grande manifestação de professores neste último 30 de agosto que reuniu mais de 10 mil pessoas em Curitiba. Qual é o significado desta mobilização?
Marlei Fernandes: São 24 anos do 30 de agosto, data em que professores paranaenses foram agredidos pela polícia durante uma manifestação no Centro Cívico, em Curitiba. Eu era estudante de pedagogia em Paranavaí e lembro muito bem deste dia. Estava todo mundo atônito com o que tinha acontecido, com a violência, vários professores foram demitidos durante a greve e a gente não sabia muito bem o que fazer. Foi um momento difícil. De lá para cá a APP colocou no seu estatuto que o 30 de agosto é Dia de Luto e Luta do magistério paranaense. Nós fazemos memória desta data para que nenhum governo ouse tratar a educação como fomos tratados em 1988, e logicamente, para atualizarmos a nossa pauta de reivindicações.
Este 30 de agosto de 2012 teve uma pauta contundente e nós estamos em negociação com o governo do estado desde março. Em maio fizemos uma nova rodada de negociação e o governo não cumpriu, por diversos fatores que ele justifica como a lei de responsabilidade fiscal, impedimentos financeiros, etc. o governo deixou de cumprir 5 ítens importantes da pauta que eram os pontos centrais, como a lei do reajuste do magistério para atingir o piso. Nós ainda não temos piso no estado. Foi aprovado agora mas nós só vamos efetivamente ter no salário em outubro. Enfim, nós passamos um ano negociando a lei de piso. Essa demora fez com que de fato o 30 de agosto neste ano tomasse a proporção que tomou e levasse a nossa indignação para as ruas e para o governo.
Fonte: Blog do Vanhoni