Brasil quer investir 10% do PIB, mas não sabe como bancar a meta

Brasil quer investir 10% do PIB, mas não sabe como bancar a meta


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Os Sindicatos e movimentos que defendem a ampliação dos investimentos em educação para 10% do PIB conseguiram uma vitória importante no Congresso. Na terça-feira16, a Comissão de Constituição e Justiça da câmara aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE)com esse porcentual, a ser alcançado em dez anos. A proposta segue para o Senado, onde voltará a ser discutida quanto às fontes de financiamento, ainda uma incógnita para tirar as 20 metas do plano do papel. Hoje, o País gasta apenas 5% do PIB no setor, valor considerado insuficiente diante do tamanho da população em idade escolar: 84 milhões de brasileiros.

O governo sofreu uma série de derrotas na tramitação do projeto. Inicialmente, aceitava destinar 7% do PIB para a educação, mas viu a proposta com o porcentual maior ser aprovado em uma comissão especial dedicada ao tema na Câmara. Depois tentou recolher assinaturas para que o texto fosse votado pelo plenário. Era uma manobra para ganhar tempo. Sem o recurso, o PNE seguiria direto para o Senado. No fim, os deputados governistas recuaram e retiraram as assinaturas.

Agora, tanto a presidenta Dilma Rousseff quanto o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, assumiram o compromisso de manter o investimento de10% do PIB. Pedem, porém, que os parlamentares apontem de onde tirar o dinheiro. “Podemos manter uma meta de dobrar os investimentos até 2022, desde que se tenha recursos para fazê-lo”, afirmou Dilma, no início de setembro. “Caso contrário, estariamos praticando uma imperdoável demagogia com uma questão essencial para o País.” Mercadante, por sua vez, passou a defender a destinação integral dos royalties do petróleo,mais 50% do Fundo Social do Pré-Sal, para viabilizar a meta. “Não há espaço para novos impostos. Até porque seria preciso criar cinco novas CPMFs. Daí a razão de vincular os recursos do petróleo para a educação. Essa é a posição de todo o governo, a começar pela presidenta Dilma Rousseff”, afirmou a Carta Capital.

O grande temor dos defensores da bandeira dos 10% é que a falta de acordo quanto à origem dos recursos faça do PNE uma peça de ficção. No texto aprovado pela Câmara há a previsão de reservar 50% dos lucros do petróleo a ser extraído da zona do pré-sal, incluídos os royalties. Mas o recurso pode não ser suficiente. “Estima-se que, em 2020, os royalties dos novos contratos de petróleo devam gerar cerca de 80 bilhões de reais, ou 2% do PIB. A commodity pode se valorizar, mas ainda falta o equivalente a3 % do PIB”, diz Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Até agora remos apenas projeções. Estamos cientes de que contar somente com o pré-sal pode ser arriscado. Cremos que, com a tramitação do PNE no Senado, vamos ter a oportunidade de aprofundar a questão”, emenda Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.

O debate é espinhoso. Em julho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que os 10% iriam desequilibrar as contas públicas e “quebrar o Estado brasileiro”. Presidente da Comissão de Educação do Senado, Roberto Requião (PMDB impacto econômico da medida. “O mundo passa por uma grave crise econômica e o Brasil não está imune a ela. Não acho que é o caso de retirar a bandeira dos 10%, mas é preciso deixar claro que esse é apenas um objetivo a ser buscado. O maior desafio é criar metas para a educação realizáveis e afinadas com as diretrizes do governo, que é quem vai tocar o plano”, afirma o parlamentar, que pediu para assumir a relatoria do PNE. Seja como for, parece improvável o texto ser aprovado pelo Congresso ainda este ano, prevê.

A discussão sobre a parcela do PIB destinada ao investimento em educação é antiga. O primeiro cálculo foi feito nos anos 1990, quando o presidente Itamar Franco fixou a meta de 5,5% do PIB até 2003. O plano não saiu do papel. Em1998, o então deputado Ivan Valente apresentou um novo projeto na Câmara, a estabelecer a aplicação de 10% do PIB em dez anos. Após tramitar por três anos, a versão final do plano aprovado pelo Congresso reduziu o índice para 7%. Mesmo assim, o projeto foi vetado por Fernando Henrique Cardoso. Ao longo do governo Lula, o gasto com educação aumentou progressivamente para os atuais 5% do PIB, mas o veto não foi discutido.

Para uma visão clara da prioridade financeira dada por um país à educação, é preciso olhar mais do que o porcentual do PIB investido na área. O número de pessoas em idade escolar é um dos fatores a se analisar. O Canadá, por exemplo, aplicou 5,2% do seu PIB em 2008, enquanto a Bolívia destinou 6,4% quando aproximamos a lupa, é possível ver que o gasto por aluno é mais elevado no primeiro caso, uma vez que a riqueza produzida pelo Canadá é muito maior. Enquanto o governo boliviano aplica 695 dólares por estudante, o canadense gasta 11vezes mais: 7.731 dólares.

Com a metade da população em idade educacional (45%), os desafios do Brasil são grandes. Atualmente perdemos na comparação com os demais países, quando o assunto é investimento por aluno. Em um ranking de 27 nações elaborado pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) em 2010, o Brasil figurava entre os piores colocados nesse quesito. Investia 959 dólares por estudante ao ano, muito abaixo da média de todos os países listados, de 4,4 mil dólares. Se investir 10% do PIB, o Brasil poderá chegar a esse patamar nos anos 2020. Se insistir na proposta de 7%, demoraria uma década a mais.

Além disso, um estudo feito por José Marcelino de Resende USP-Ribeirão Preto e presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), conclui que o valor investido por ano em um estudante dos EUA corresponde a seis anos o de um brasileiro. Produzido com base nos dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o est tido revela que, mesmo em comparação com Chile e México, o nosso gasto por aluno é 25% inferior.

O cenário torna-se mais preocupante quando levamos em conta as transformações demográficas em curso no Brasil. Nas últimas décadas houve uma desaceleração do crescimento populacional. Como a população idosa ainda não aumentou de forma significativa, estamos muito próximos de viver um fenômeno chamado “janela de oportunidade”, ou “bônus demográfico”. Ele acontece quando há muito adultos economicamente ativos e poucos dependentes, crianças ou idosos, inativos economicamente.

Além de representar um incremento nos recursos disponíveis para o governo,a nova realidade demográfica também pode significar um momento-chave para o investimento em educação. Durante sua janela de oportunidade ocorrida entre os anos 1970 e 1990, a Coreia do Sul investiu 10% do PIB em áreas prioritárias, entre elas educação, saúde e infraestrutura. O esforço resultou na universalização e elevação da qualidade do ensino, setor em que o país asiático tornou-se referência.

Nos próximos 30 anos, as transformações na pirâmide etária brasileira reduzirão pela metade a quantidade de pessoas em idade adequada para cursar o ensino fundamental. Em 2010, a população com menos de 15 anos somava 46,5 milhões. Em 2040, serão 22,3 milhões, segundo projeções feitas pelo Ipea.

Apesar do desafogo, é necessário, na opinião dos especialistas, ampliar o investimento. Rezende explica que a aplicação de 10% do PIB decorre de décadas de sub investimento. “Espera-se que o próprio desenvolvimento do País, potencializado por esse maior investimento na educação básica e superior, permita, após 2020, uma progressiva queda no investimento total em relação ao PIB, sem perda de qualidade, até se estabilizarem os investimentos educacionais em patamares entre 6% e 7% do PIB, como ocorre nos países ricos.

Avaliação semelhante é feita por Maria do Pilar Lacerda, ex-secretária nacional da Educação Básica e diretora da Fundação SM.”O Brasil precisa investir mais para zerar a dívida histórica que tem na área. Ainda temos 3,2 milhões de crianças e jovens fora da escola”, afirma. “Apenas uma das metas de qualidade, a valorização do magistério, prevê a equiparação do salário dos professores ao dos profissionais com mesma escolaridade. Temos 2 milhões de docentes na educação básica. Se eles receberem a média salarial de quem tem ensino superior, 4 mil reais, a folha de pagamento pode superar a marca dos 100 bilhões.

Em 2011, o Ministério da Educação publicou uma série de avaliações técnicas sobre a viabilidade do PNE. Segundo os cálculos da pasta, para cumprir 11dos 20 pontos do plano, é necessário um investimento adicional de 1,9% do PIB. Somado aos 5% já aplicados, o cumprimento de todas as metas demandaria, portanto, um valor próximo ao defendido pelo governo, de 7%.

A qualidade não está, porém, embutida na conta. “O MEC considerou o custo por aluno no ano de 2009, sem nenhuma correção”, critica o especialista em financiamento Nelson Amaral, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele descarta a hipótese de elevar a qualidade de ensino sem aumentar as despesas e realizou um cálculo paralelo, levando em conta o investimento por aluno nas escolas públicas de melhor desempenho nas avaliações, concentradas nas regiões Sul e Sudeste. O novo cálculo prevê um investimento adicional de 4,2% do PIB, algo próximo do patamar de10% defendido por movimentos e sindicatos ligados ao setor.

Fonte: Carta Capital

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