A ideia original dos movimentos sociais acerca da Lei de Responsabilidade Educacional consiste em aprimorar o controle institucional do Estado brasileiro sobre a correta aplicação dos recursos da educação, garantindo os insumos necessários para a qualidade do ensino nas escolas e universidades públicas.
O caráter da Responsabilidade Educacional pauta-se em elementos objetivos e vinculantes, ou seja, naqueles aos quais todos os entes da federação estão sujeitos mediante comandos da Constituição e de leis especiais, como a LDB, o Fundeb, o piso salarial do magistério, entre outras.
Para a CNTE, não é pertinente a inclusão, nesse debate, de medidas que visam dimensionar a eficiência das políticas educacionais, a exemplo de avaliações escolares, pois, além de pautarem questões subjetivas (dado que o aprendizado estudantil depende de inúmeras variáveis), essas políticas têm por objetivo fornecer diagnósticos para posterior revisão e/ou aplicação de novas políticas estruturantes que possibilitem melhorar a qualidade do ensino.
Assim sendo, podemos concluir que a LRE é uma proposta análoga à Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual também não mede o desempenho das políticas públicas executadas em cada um dos entes federados, mas tão somente orienta o emprego dos recursos financeiros e a própria gestão administrativa, impondo, inclusive, sob forte crítica da sociedade, limites aos investimentos sociais que não podem ser desprezados no presente debate sobre Responsabilidade Educacional.
Um exemplo dos limites da LRF na educação refere-se à capacidade financeira do ente federado em ampliar seu atendimento em determinada etapa do nível básico, ou de promover a valorização dos profissionais da educação, à luz das metas do Plano Nacional de Educação, já tendo ele, todavia, alcançado o limite prudencial de gastos com a folha de pagamento. E essa situação poderá causar “inadimplência educacional” de alguns entes federados. Porém, é preciso ter claro, também, que a solução dessa problemática não requer simplesmente o aumento de repasses da União na forma de regime de colaboração aos entes “deficitários”. É preciso que o Município ou Estado, responsáveis pela oferta de educação pública básica, promova ajustes internos no sentido de rever possíveis isenções fiscais, de diminuir a diferença salarial entre seus funcionários públicos e de solucionar eventuais desvios de funções dos recursos vinculados à educação – e, nesse último caso, a LRE possui uma ação bastante pedagógica, devendo prever punições à má gestão dos recursos educacionais.
A ideia da LRE, em síntese, é de garantir a eficácia das leis e normativas que regem os sistemas de ensino, devendo a qualidade da educação ser diagnosticada em outros expedientes, que por sua vez indicarão possíveis reformulações no arcabouço legal da educação.
Sobre as matérias em debate nessa Comissão Especial, a CNTE contou 15 Projetos de Lei que estão divididos em 5 temas distintos.
O primeiro grupo de propostas, que agrega três projetos similares (PLs nº 7.420/07, 413/11 e 450/11), apesar de dialogar com os requisitos inerentes à Lei de Responsabilidade Educacional, acaba por contemplar outros indicadores de caráter subjetivo da avaliação escolar (art. 2º), que precisariam ser revistos. Também valeria à pena essas proposições incorporarem outras previsões legais como pré-requisito para a liberação de suporte financeiro voluntário da União a Estados e Municípios, a exemplo do correto preenchimento do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos Educacionais (SIOPE), observando-se os prazos do art. 51 da LC 101; da regulamentação da gestão democrática nas redes de ensino, à luz do art. 206, VI da Constituição Federal; da constituição de conselhos de controle social (Fundeb, Merenda Escolar, de Educação e Escolar); do cumprimento da Lei do Piso do Magistério, entre outras.
Também nesse primeiro grupo de projetos está o PL nº 8.039/10, do Executivo Federal, que prevê disciplinar a Ação Civil Pública para os crimes de Responsabilidade Educacional. Todavia, consideramos o PL carente de parâmetros legais que regulem a efetiva ação do Estado (cumprimento de dispositivos legais) em prol da qualidade da educação e que, por consequência, ensejam sanções administrativas e judiciais em caso de seus descumprimentos, tal como prevê o PL nº 7.420.
O segundo bloco de projetos, que abrange os PLs nº 1.680/07, 3.066/11, 1.747/11, 1.915/11 e 2.604/11, trata especificamente da institucionalização do sistema de avaliação escolar, também previsto no art. 11 do projeto de Plano Nacional de Educação, já aprovado pela Câmara dos Deputados. Trata-se, como destacamos acima, de regulamentação à parte da LRE, a qual necessita de amplo debate social no sentido de construir os indicadores que superem a simples correlação de proficiência do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), buscando compreender a realidade socioeducacional dos estudantes, as condições de infraestrutura das escolas, o nível de formação e de valorização dos profissionais da educação, as formas de gestão escolar e dos sistemas de ensino, dentre outras variáveis.
O terceiro bloco de projetos de lei (nº 4.886/09 e 2.417/11) consiste em regular temas inerentes ao regime de colaboração financeira entre os entes federados, sobretudo o Custo Aluno Qualidade e os Arranjos de Desenvolvimento da Educação. Embora sejam temas da mais alta relevância, e que dialogam com a LRE, eles necessitam de debate mais aprofundado acerca do pacto federativo, o que requer tempo, ampla negociação entre os entes federativos e a regulamentação de matérias que integram a perspectiva do Sistema Nacional de Educação, à luz do art. 23, parágrafo único da Constituição Federal. Depois de regulado o regime de colaboração e de cooperação, não resta dúvida que sua disciplina deve ser objeto de fiscalização pela LRE.
Outro bloco de propostas, no qual se encontram os PLs nº 1.256/07 e 8.042/10, prevê criminalizar ações da família e dos profissionais da educação quanto à omissão escolar e/ou aos maus-tratos ocorridos na escola, seja em âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, seja na própria LDB, que não é o regimento legal apropriado para a cominação de penas. Ainda que sejam matérias passíveis de regulação institucional, elas não se confundem com o espírito da Lei de Responsabilidade Educacional, que deve focar o cumprimento da legislação educacional objetiva e de estrita responsabilidade do Estado.
O último grupo de projetos de lei, sob a análise da Comissão Especial (nº 247/07 e 600/07), traz uma mescla de ações sistêmicas que visam, de um lado, responsabilizar o Estado, a família e os agentes educacionais pela oferta educativa, em âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, e, de outro, disciplinar sanções legais aos gestores que descumprirem a legislação. Ambos também sugerem alterações na LDB no sentido de definir novos parâmetros para a atuação do Estado na educação e para regular o regime de colaboração financeira entre os entes federados, ações que certamente são importantes, conforme destacado, mas que necessitam ser aprofundadas e disciplinadas em estatutos próprios, sem impedir a consolidação de uma norma legal específica para a LRE.
Para a CNTE, outro ponto importante a ser abordado pela LRE refere-se ao cumprimento irrestrito das atribuições dos órgãos públicos de fiscalização. Deve-se coibir, por exemplo, a prática recorrente de Tribunais de Contas que aprovam contas irregulares de prefeitos e governadores com breves ressalvas, impedindo a posterior formação de processo judicial contra o gestor que não cumpriu a lei educacional. Igualmente, deve se prever punições a membros do Ministério Público e aos conselheiros sociais que se omitem em denunciar ou em apurar denúncias relativas à má aplicação das verbas da educação, sobretudo no sentido de evitar o aparelhamento dos conselhos de acompanhamento sociais – outra prática bastante comum no país.
Em suma: esperamos que esse primeiro debate sirva para delimitar a abrangência da LRE, questão que nos parece ainda bastante tormentosa à luz dos projetos propostos até o momento sobre a matéria.
Brasília, 13 de março de 2013
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação