No dia 12 de novembro, Curitiba presenciou uma manifestação inédita. Centenas de lideranças representando o movimento social negro, movimentos sociais e centrais sindicais estiveram na frente do Tribunal de Justiça e da Associação Comercial do Paraná para mostrar o repúdio à decisão judicial que suspendeu, em caráter liminar, o feriado de 20 de novembro. O feriado instituído através de lei municipal nos colocou na vanguarda de uma agenda nacional que visa resgatar, mesmo timidamente, uma dívida histórica (econômica e simbólica) com a população negra, que ainda sofre os danos da escravização.
Com o fim do escravismo criminoso, os negros que aqui viviam foram jogados à própria sorte. O Estado brasileiro não os integrou ao novo modelo de produção econômica pós-abolição. E, enquanto fechava as portas para os ex-escravos, investia pesadamente na política de migração de europeus. Famílias europeias receberam terras e passagens para, aqui, organizar suas vidas. Esta ação fazia parte de uma estratégia de “embranquecimento” da nossa população. A elite acreditava que quanto mais branca a nação, mais desenvolvida – crença oriunda das justificações ideológicas efetuadas para a naturalização da escravização de africanos. Razões que desumanizaram e inferiorizaram os negros. O resultado é visível e os indicadores não mentem. Entre os mais pobres, a população negra é maioria. Segundo o Dieese, o salário de um negro é, em média, 36,11% menor que o de um não negro.
Atualmente, a data é comemorada em mais de mil municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro. No Paraná, temos o feriado em Londrina e Guarapuava. Isso demonstra, por si só, a fragilidade do argumento de inconstitucionalidade apresentado pela ACP e pelo Sinduscon à Justiça. Em relação ao argumento dos prejuízos financeiros, faço minhas as palavras da jovem advogada Mariana Costa, que ingressou no curso de Direito da UFPR através das cotas raciais: “Também por motivos econômicos, por mais de 300 anos os negros foram sequestrados de suas terras, comercializados e coisificados. (…) Entendemos que os tais motivos econômicos se confundem tão profundamente com o racismo enraizado na nossa sociedade”.
Embora Curitiba seja reconhecida como capital europeia, ela é, também, a capital mais negra do Sul do país. O último Censo do IBGE, de 2010, aponta uma população negra (pretos e pardos) de aproximadamente 20%. Aqui, temos descendentes de italianos, alemães, poloneses, ucranianos, japoneses etc. Importantes grupos que têm seus feitos registrados pela estrutura do estado em festivais, bosques e praças. Essa é uma política pública valorativa, com a qual concordo plenamente. Porém, pouco se vê de políticas valorativas da presença negra.
Acredito que uma das marcas para avaliar o avanço civilizatório de um povo é a sua capacidade de enfrentar qualquer tipo de preconceito. Desta forma, o feriado de 20 de novembro é um presente para as futuras gerações de curitibanos. Ao comemorar o herói negro Zumbi dos Palmares, comemoramos a luta do povo brasileiro por justiça e igualdade. Estamos comemorando a humanidade. A postura da ACP e do Sinduscon é retrógrada, pois desconsidera os avanços democráticos da sociedade e coloca a lógica do lucro acima da lógica civilizatória. Por isso, não desistiremos do direito de comemorar a nossa história.
Viva Zumbi! Viva o povo brasileiro!
Luiz Carlos Paixão da Rocha, mestre em Educação pela UFPR, professor da rede estadual e diretor de Comunicação da APP-Sindicato, é integrante do movimento social negro do Paraná.
Artigo publicado em 19 de novembro de 2013 na Gazeta do Povo