O “apartheid” foi uma sobrevivência da escravidão na África do Sul. Como relata o Museu do Apartheid, em Joanesburgo, impressionante testemunho do mundo do racismo, os brancos consideravam essa politica uma “genial arquietetura” para conseguir a convivência entre brancos e negros. Nas mais escandalosas condições de discriminação, de racismo, de opressão.
Por detrás estava a super exploração da mão de obra negra nas minas sul-africanas, fornecedor essencial para os países europeus, sob comando da Holanda. As pessoas eram legalmente declaradas brancas ou negras, com todas as consequencias de direitos para uns e exclusão de direitos para os outros. Uma declaração da qual se poderia apelar todos os anos, mas que, ao mesmo tempo, se corria o risco de alguém questionar a condição de branco de qualquer outra pessoa, que poderia recair na condição de negro.
O cinismo das potências coloniais e dos próprios EUA estava na postura de não aderir ao boicote à Africa do Sul, alegando que isso isolaria ainda mais esse pais e dificultaria negociações politicas. Na verdade, a África do Sul do apartheid era um grande aliado dos EUA – junto com Israel – em todos os conflitos internacionais, alem de fornecedor de matérias primas estratégicas.
Não foi essa via de negociações que o apartheid terminou, mas pela luta, conduzida por Nelson Mandel, mesmo de dentro da cárcere, por 27 anos. Como reconheceu o próprio Mandela, o país que desde o começo apoiou ativamente, sem hesitação, a luta dos sul-africanos foi a Cuba de Fidel, o que forjou entre os dois lideres uma relação de amizade e companheirismo permanente.
A libertação de Mandela, o fim do apartheid e sua eleição como o primeiro presidente negro da Africa do Sul, foram a conclusão de décadas de lutas, de massacres, de prisões, de sacrifícios. Mandela aceitou ser eleito presidente, para concluir esse longo caminho, com a consciência de que estava longa de ser conseguida a emancipação dos sul-africanos. O país manteve a mesma inserção no sistema econômico mundial, as estruturas capitalistas de dominação não foram atingidas. A desigualdade racial foi profundamente afetada, mas não as desigualdades sociais.
Por esta via, os negros sul-africanos continuaram a ser vítimas, agora da pobreza, que os segue afetando de maneira concentrada. Os governos posteriores foram impotentes para mudar o modelo econômico e promover os direitos sociais da massa da população. Os ideias de Mandela se realizaram, com o fim do apartheid, da discriminação racial legalmente explicitada, mas não permitiu aos negros saírem da sua condição de massa super explorada, discriminada, agora socialmente.
Mas a figura de Mandela permanece como a do maior líder popular africano, porque tocou no tema essencial de todo o período histórico da colonização – a escravidão. Ele soube combinar a resistência pacifica e violenta, para canalizar a força acumulada dentro e fora do país, para negociações que terminaram com o apartheid.
O historiador marxista britânico Perry Anderson considera Nelson Mandela e Lula como os maiores líderes populares do mundo contemporâneo, não apenas pelo sucesso das lutas a que eles se dedicaram – contra a discriminação racial e contra a fome -, mas também porque tocam em temas fundamentais das formas de exploração e de opressão do capitalismo. O apartheid terminou, fazendo com que Mandela ficasse como um dos maiores lideres do século XX. Lula projeta sua figura no novo século, na medida em que a sobrevivência do capitalismo e do neocolonialismo reproduzem a fome e a miséria no mundo.