Direitos para todos humanos?

Direitos para todos humanos?


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As últimas tragédias nos presídios brasileiros deveriam nos remeter a uma crítica contundente à ideologia da criminalização dos comportamentos juvenis e à progressiva criminalização da escola pública realizada pelas grandes empresas de comunicação. O que esses massacres, que nos remetem outra vez à barbárie consentida do Carandiru, têm a nos dizer sobre a sociedade, o mundo e a escola que queremos? Tudo. 

A demanda por muros cada vez mais altos no entorno das escolas, por câmeras de vigilância e por grades nas portas e janelas das instituições que têm a tarefa de educar deveriam nos levar à negação de respostas oportunistas e simplórias a questões complexas postas pelas relações sociais sob o capitalismo.

A grita por mais polícia, mais repressão e mais cadeia reverberada em programas de TV sem nenhum compromisso ético-político com os dados da realidade, alimenta a máquina da repressão, da desumanização das prisões e o imaginário do senso comum que acha que com prisões medievais e tratamentos animalizados teremos homens e mulheres mais humanos e mais cordatos. O que se pretende com isso é assujeitar pessoas à condição de subalternização submissa e conformada. Não é isso que a realidade nos mostra.

E se negarmos a realidade que nos bate a porta, e se não aprendemos com sociedades mais desenvolvidas que apostaram na humanização para melhorar as pessoas, se não aprendemos com sociedades que apostaram em mais licença-maternidade e paternidade para terem crianças cuidadas e adultos mais equilibrados, vamos ficar batendo cabeça e sofrendo o retorno do “cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”?


É muito sobre isso que o artigo de Paulo Moreira Leite nos leva a refletir. Pensemos nisso e pensemos na escola e na sociedade e no mundo pelo qual lutamos: é isso que queremos? 

Janeslei Aparecida Albuquerque
Secretária de Formação Política Sindical da APP

Confira, na íntegra, o artigo publicado pelo jornalista Paulo Moreira Leite, em seu blog


DIREITOS PARA TODOS HUMANOS

Pode ser difícil admitir mas atual perversidade dos criminosos começou no Estado

 
As cenas de pavor produzidas na penitenciaria de Pedrinhas, no Maranhão, colocam uma pergunta civilizatória: quem tornou nossos criminosos tão criminosos, tão perversos, mais cruéis do que nossa imaginação seria capaz de adivinhar?

Engana-se quem fala nas condições sócio-economicas. O Brasil está melhorando na última década, em especial para os mais pobres.
 

Engana-se quem fala que bandido bom é bandido morto, pregando uma escola de violência que não deu certo e nunca dará.

 A perversidade do crime brasileiro tem uma origem conhecida que, como símbolo, vou definir por um nome: capitão Ubiratã.

 Ele mesmo, o oficial da PM que comandou o massacre do Carandiru, marco histórico da violência do Estado, que deveria zelar pela vida e pelos direitos de toda pessoa que é mantida sob sua guarda. Estou falando de um símbolo, de uma postura, uma ideia – não de uma pessoa física. Você pode colocar outros nomes reais: secretários de Estado, governadores, Ministros… É só escolher.

 Quem for atrás do degrau atual da criminalidade brasileira irá encontrar um nome: a facção criminosa PCC. E quem for atrás do PCC irá encontrar outro nome: Carandiru.

Competente repórter a estudar o assunto, Josmar Jozimo, com passagens respeitáveis pelas editorias de polícia dos principais jornais de São Paulo, escreveu até um livro sobre a facção criminosa.

O que importa registrar é o seguinte: o PCC se forma, inicia suas primeiras ações e atos de crueldade – fuzilar diretores de presídio, explodir automóveis, cortar cabeças e assim por diante – como uma resposta ao massacre de Carandiru.

 Pois é, meus amigos. A lição a ser aprendida é assim:  a violência do Estado atingiu um patamar tão baixo, tão grotesco, tão inaceitável, que obrigou os criminosos, individualistas por natureza, dispersos e competitivos por vocação, a se organizar, a criar disciplina e mesmo definir objetivos que são – sim – de natureza política.

Esqueça por um instante o tráfico de drogas, o controle dos presídios, a chantagem sobre as famílias. São motivações econômicas.

O que está na origem da facção criminosa, o que dá força a sua liderança, é a capacidade de dar resposta ao Estado. Não tem nada a ver com exemplos de grupos que praticavam a luta armada contra o regime militar.

É selvageria em estado bruto. Olho por olho, dente por dente. Por isso, porque fala a linguagem de Carandiru, Ubiratã, e tantos outros, ela é obedecida e temida. Quem quiser entender a barbárie atual pode voltar aos textos do professor Antonio Flavio Pierucci, aquele que pesquisou o nascimento de uma classe média conservadora no início da democratização do país – e que se mostrava escandalizada com a política de direitos humanos. Chamava de mordomia todo esforço para melhorar a vida no cárcere, de proibir a tortura e as execuções sumárias. Aplaudia a violência e pedia mais, sempre mais. Comemorava fuzilamentos.  

Chegamos aonde era fácil ver que iríamos chegar. O tratamento desumano está institucionalizado. As prisões são um inferno tão previsível que é preciso encontrar algo que chama a atenção. Se não fossem as cabeças decepadas, da menina de 6 anos incendiada de forma criminosa, quem estaria falando de Pedrinhas? Alguns advogados que são considerados uns chatos, uns padres que deveriam pensar em coisa melhor…

Os prisioneiros foram rebaixados a animais para serem explorados, cotidianamente, como gado. Sua fome alimenta quem desvia verbas, sua penuria serve a quem faz negocios intermediários. Sem direito a palavra, ao Direito e a outros recursos da civilização, não  falam. Preferem atos repugnantes: machucam, matam, torturam. Olho por olho, dente por dente.

Esta é a realidade em que nos encontramos e da qual o país não irá sair sem uma grande mudança. Não precisamos de homens providenciais. Precisamos de políticas que respeitem nossos valores – para que eles sejam respeitados.

Isso implica em cadeias que não sejam hotéis mas também não sejam jaulas nem chiqueiros. 

Numa justiça capaz de atender o pobre, o sem recurso e sem oportunidade. Isso implica em dinheiro, envolve sacrifício, exige enfrentar aquela parcela influente, rica e profundamente ignorante de cidadãos que não entenderam nada desde que numa aventura parisiense do século XVIII a humanidade aprendeu que todos os homens são iguais  – e sem entender isso, fica difícil entender qualquer coisa, ainda mais quando se fala de liberdade, de respeito, direitos.    

Se queremos conviver com humanos, não podemos tratar homens e mulheres como animais. Nenhum de nós tem culpa. Mas a responsabilidade, não custa lembrar, é nossa.
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