Entrevista: a regulamentação da profissão de Educador Social

Entrevista: a regulamentação da profissão de Educador Social


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No início de março deste ano, educadores(as) sociais de Curitiba, Cascavel e Foz do Iguaçu, que trabalham em unidades de internamento de adolescentes em conflito com a Lei no Paraná, paralisaram as atividades e fizeram manifestações em vários municípios do estado para cobrar a regulamentação da profissão e melhorias nas condições de trabalho. Segundo os sindicatos representantes da categoria, os(as) profissionais que atuam nesta função não são reconhecidos pelo Estado. No entanto, os avanços nas legislações nos últimos anos garantem alguns direitos que devem ser respeitados pela sociedade.

Em agosto do ano passado, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, da Câmara dos Deputados, aprovou a regulamentação da atividade de educador(a) social, profissional que atua fora da escola, junto a grupos carentes. O texto aprovado é um substitutivo do relator, deputado Assis Melo, ao Projeto de Lei 5.346/2009, que dispõe sobre a criação da profissão de educador(a) social.  No novo documento, o deputado manteve o ensino médio como grau de escolarização mínimo para o exercício da profissão.  Mas incluiu a possibilidade de formação específica em pedagogia social para que, no futuro,  o profissional da área possa se beneficiar dos cursos superiores e de pós-graduação recém oferecidos no Brasil. Segundo informações do Portal da Câmara dos Deputados, a proposta tramita em caráter conclusivo e seguirá para análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. 

A atividade de educador(a) social segue desregulamentada, mas é indispensável nas ações públicas de proteção a pessoas em situações de risco e vulnerabilidade social. 

Regulamentar é reconhecer que estes profissionais – que atuam com vítimas de violência, exploração física e psicológica, com grupos sociais prejudicados pela exclusão social, tais como mulheres, crianças, adolescentes, negros, indígenas e homossexuais, com jovens envolvidos em atos infracionais, com a população carcerária, idosos, pessoas com deficiência, dependentes químicos, entre outros – têm  direito  a uma jornada profissional adequada, segurança e bem-estar.   

O educador social Jose Pucci Neto – concursado pela Prefeitura Municipal de Curitiba no 1º. certame específico para a carreira de educador(a) social (em 1996) e técnico em Reabilitação em Dependência Química, pela Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná (UFPR)  – avalia que a regulamentação traria para o profissional dessa área a garantia de formação técnica, mas com uma visão humanizada. Para Neto, quando o Estado não intervém em relação ao exercício indiscriminado da atividade de educador social, deixa de ter essa visão. Deixa de reconhecer que os públicos que dependem desse profissional, isto é, as populações vulneráveis, também têm direito  de serem assistidas por profissionais capacitados para a função. 

Neto desenvolve atividades com jovens há aproximadamente 18 anos. Também foi Conselheiro Tutelar em Colombo (de 2006 a 2009), Conselheiro de Saúde (Colombo), Conselheiro da Assistência Social (Colombo/Curitiba), Conselheiro do Fundeb (Colombo), Conselheiro de Segurança Alimentar (Colombo) Presidente da Associação de Moradores e Amigos do Jardim Paraná e Adjacências, Comissário Voluntário do Juizado da Infância e Juventude de Curitiba por 10 anos. 

Confira na entrevista abaixo o posicionamento desse profissional sobre a regulamentação da função. 

Qual o motivo de sua luta em defesa da regulamentação da profissão do(a) educador(a) social no Brasil?

Jose Pucci Neto: Nossa principal preocupação é que o Educador (a) Social seja respeitado e valorizado como são outros profissionais que atuam no Sistema Único de Assistência Social (Suas). Desta forma, tanto os profissionais que estão em espaços públicos, como os Educadores  Populares de Rua, como os que prestam serviços para  ONG,  também possam ter garantia de seus direitos profissionais, definindo, ainda, quais os direitos e deveres do profissional dessa área. Lutamos para que  o Educador (a) Social tenha formação técnica, mas com visão humanizada a respeito da realidade que o cerca para que esse profissional possa, de fato, fazer um atendimento com qualidade. A consequência disso é que a sua atividade será exercida com muito mais eficiência e competência, alcançando melhores resultados para as mudanças no contexto social onde o educador social atua.

2-  Qual a vantagem da regulamentação da Profissão do Educador (a) Social?

Pucci: Teremos oportunidade de formação qualificada e reconhecida. Isso aumentaria a qualidade de nosso atendimento, criaria novas formas de atuação, melhoria o tratamento com o nosso público. Também é uma oportunidade para que sejamos respeitados, tanto pela sociedade de modo geral como para o grupo que assistimos, garantindo, assim, reciprocidade no tratamento. 

3- A regulamentação influenciará a atividade desse profissional?

Pucci: Não tenho dúvida disso, pois o profissional sente-se mais feliz quando sabe que é  respeitado por seus colegas de equipe e pelo seu público. Esse respeito gera uma melhor qualidade de seu trabalho, pois sabemos que um profissional satisfeito desempenha o seu papel com  técnica, dedicação e amor, elevando o seu trabalho a um nível de maior qualidade. 

4- De que forma a formação contribuiria para a melhoria da vida do profissional ?

Pucci: Com formação adequada, os profissionais teriam maior conhecimento e o procedimento, invariavelmente é  com mais respeito, com segurança técnica, além disso não correria riscos profissionais. O profissional terá ternura e cuidado no desenvolvimento do seu trabalho, valorizando e respeitando seu público. Ser educador  é um ato de amor e coragem. É compreender que é necessário ter a sabedoria dos idosos e a doçura das crianças.  A educação é  o caminho para o futuro. É preciso valorizar todos os profissionais que atuam nessa área para que eleve a auto estima do mesmo. 

5 – Qual o benefício a regulamentação Profissional do (a) Educador (a) Social pode oferecer para a sociedade?

Pucci: Fazemos a observação de que em outros países como Uruguai, Portugal, França, Inglaterra a profissão do Educador (a) Social, a formação em nível superior já é realidade. Caso isso seja uma realidade, a sociedade brasileira terá um profissional bem qualificado, consciente de suas ações  como instrumentos de transformação social e das suas responsabilidades. Defendemos a formação desse profissional em dois níveis: Técnico Educador (a) Social de Nível- Pós- Médio, Tecnólogo em Educação Social (superior) e Pedagogia Social (superior).

 6- Por que o Educador (a) Social é um  dos atores do Sistema de Garantias de Direitos Humanos?

Pucci: Porque atuamos com uma população que ninguém está disposto a cuidar. A sociedade reclama, julga , acaba sendo, até de certa forma, negligente e indiferente. É mais fácil  agir  dessa forma do que propor mudanças em velhos hábitos. Surgimos para fazer a diferença, para propor transformações na vida das pessoas que mais necessitam de ajuda e, por extensão, mudamos conceitos, dogmas e paradigmas. Nosso proposito é superarmos à miséria, seja ela cultural, social e humana. Nós Educadores (as) Sociais devemos nos transpor a tudo isso para realizar nossa missão, nosso trabalho de efetiva promoção pessoal e social do indivíduo.

 7- O que precisa acontecer para que essa Regulamentação Profissional do Educador (a) Social aconteça?

Pucci: Precisamos que os órgãos competentes tenham interesse na discussão e na aprovação do Projeto de Lei nº 5346 de 2009, que regulamenta a Profissão do (a) Educador (a) Social no Brasil. Ao mesmo tempo, nós, Educadores (as) Sociais, nunca podemos pensar em desistir. Precisamos ficar cada dia mais mobilizados e organizados nacionalmente. Ao Educador (a) Social cabe o papel de ser um apaixonado pela sua profissão, assim como sou, mas que também tenha coragem para fazer o que for necessário. Ou seja, correr riscos, gritar, dar  o melhor de si, mesmo quando o sentimento é o de que  estarmos sozinhos e desanimados na luta por direitos. Nestes momentos, temos que estar cientes do nosso valor e dizer para o mundo que sentimentos desmotivantes não nos derrotarão, pois vamos aonde for necessário para reivindicar a regulamentação da profissão. 

8- Qual é  o perfil do profissional para atuar no Sistema de Garantias de Direitos Humanos?

Pucci: Esse profissional  deve ter um bom equilíbrio emocional, um repertório de conhecimentos  em ciências sociais, humanas, de saúde. Deve conhecer diferentes legislações – nacional e internacional – sobre idoso, jovens, crianças, índios, negros, dentre outros grupos marginalizados. Também deve ser uma pessoa livre de preconceitos, bem como ter a concepção de que vivemos em um Estado democrático e de direitos e compreender a laicidade do Estado. Também é importante que ele tenha conhecimento sobre neurociência, sobre o desenvolvimento emocional, pois essas são as ferramentas operacionais desse profissional e são fundamentais para a atuação no seu cotidiano. 

9- Por que o profissional Educador (a) Social muitas vezes, ao longo do exercício do seu trabalho, adoece, seja por fadiga mental ou stress?

Pucci: Esse profissional utiliza muito o seu corpo físico e mental. As excessivas intervenções pedagógicas – que muitas vezes necessitam de uma abordagem biopsicosócioespiritual,  além do evidente uso da inteligência emocional para mediar conflito nas relações interpessoais do educador com o educando – ao longo dos anos criam estados emocionais no educador que o levam ao esgotamento. A regulamentação promoveria a valorização da profissão, bem como daria a garantia de direitos. Com direitos assegurados, sobretudo em relação à saúde mental do educador social, reduziria o número de profissionais acometidos por tais doenças.

10- Qual o número aproximado de profissionais Educadores (as) Sociais  em Curitiba, no Paraná e no Brasil?

Pucci: Na Prefeitura Municipal de Curitiba, somos aproximadamente 880 profissionais e no quadro de funcionários do governo do Estado do Paraná somos cerca de 2 mil  profissionais. Somando os que atuam em Ongs e  outras prefeituras do Paraná, que fica em torno de 1.120, chegamos a cerca de 4 profissionais que atuam nessa função. No Brasil, somando os 27 Estados da Federação, acredito que estamos num cenário de aproximadamente 80 mil profissionais da área. 

11- Quais os avanços já conquistados nessa luta pela Regulamentação da Profissão do (a) Educador (a) Social?

Pucci:  Em alguns estados brasileiros já existem Associações dos Educadores (as) Sociais,  que sugerimos que aconteça no Paraná também. Já temos aprovadas em alguns Assembléias Legislativas e em muitas Câmaras Municipais a Lei do Dia do Profissional  Educador (a) Social, comemorado no Dia 19 de Setembro, Dia do Aniversário de Paulo Freire. Em Curitiba já realizamos na Câmara Municipal nossa 1ª Audiência Pública em Defesa da Regulamentação da Profissão do Educador (a) Social  e  obtivemos a aprovação da Lei 14.392,  de 27 de Dezembro de 2013, que criou o Dia do Profissional Educador (a) Social no município de Curitiba, tendo como autor o Vereador Pedro Paulo (PT). No entanto, essas inciativas ainda não dão conta de acabar com a precariedade das condições de trabalho que, infelizmente, faz parte da nossa realidade, e com a falta de segurança e desvalorização.  A nossa luta é por direitos. Queremos que estes sejam assegurados, assim como são para outras categorias que desempenham trabalho semelhante,  como psicólogos, pedagogos, assistentes sociais e outros profissionais que atuam no Suas. Nós o Coletivo de Profissionais Educadores (as) Sociais, Ongs, Sindicatos aqui no Paraná já estamos Organizando junto com o Mandato do deputado estadual Tadeu Veneri (PT) a 2ª Audiência Pública, agora em nível estadual, em defesa da Regulamentação da Profissão do Educador Social no Brasil, realizada no dia 21 de maio de 2014 na Assembléia Legislativa do Paraná.

 

 

 

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