A APP-Sindicato, Núcleo Sindical de Foz do Iguaçu, lamenta profundamente a morte do professor e jornalista Juvêncio Mazzarollo, ocorrida no dia 5, em Foz do Iguaçu. O sindicato presta sua solidariedade especialmente a Wilmma Bianzugi Macedo e a Anna Rebeca Macedo Mazzarollo.
Professor do Colégio Estadual Agrícola, Juvêncio Mazzarollo teve papel fundamental na história da nossa classe ajudando a defender e organizar os professores de Foz do Iguaçu e do Paraná antes mesmo da criação formal deste núcleo sindical (que viria a ocorrer em 1983). No fim da década de 70, ele foi delegado em Foz da Associação dos Professores do Paraná (APP).
À época, Mazzarollo escreveu um artigo contra o governador do Paraná, Jayme Canet Júnior, que não respeitava os docentes então em processo de greve. Por causa do artigo no qual defendia os trabalhadores em educação, foi taxado pelo governo de “subversivo”.
A resposta do professor veio em seguida, numa entrevista concedida ao jornal HOJE FOZ, em 19 de outubro de 1978, ao jornalista Adelino de Souza. O professor detonou: “subversivo é o governo, que não respeita as leis”.
O legado de Juvêncio Mazzarollo está registrado em nossa história como um dos capítulos mais importantes dos educadores do nosso estado. Ele defendeu a educação pública e de qualidade em plena ditadura militar, uma época na qual imperavam a censura e autoritarismo.
Aliás, foi por conta da sua bravura e coragem na crítica ao governo que o professor acabou exonerado por ter expressado a sua opinião. A APP-Sindicato, NS Foz, resgata a entrevista, cedida gentilmente pelo jornalista Adelino de Souza à nossa entidade. Que a luta de Juvêncio Mazzarollo sirva de exemplo para todos os trabalhadores!
“SUBVERSIVO É O GOVERNADOR!”
“O Governo taxa os professores de subversivos, de agitadores… Na verdade, subversivo é o governo, que não respeita as leis”.
Quem afirma isto é o professor Juvêncio Mazzarollo, em entrevista concedida ao HOJE FOZ.
Mas, quem é este professor corajoso e que não mede palavras? Nada mais – nada menos – que um educador do Colégio Agrícola de Foz do Iguaçu, cumulativamente com as funções de diretor do Instituto Minsky (curso de inglês), presidente da Associação Cultural dos Artistas Plásticos do Iguaçu e delegado da Associação dos Professores do Paraná em Foz.
Juvêncio diz que não acredita mais em promessas e que a situação dificilmente será normalizada, a seguir o atual prisma. Liguemos, pois, o gravador, e vamos à entrevista feita com ele.
HOJE/Foz – Professor Juvêncio, o Dia do Professor foi motivo de muita alegria e festa?
Juvêncio – Nem tanto. A coisa ainda tão ruim que até esse dia coincidiu com o domingo, driblando-nos assim o feriado. E, pela situação em que se encontra o magistério, este foi um momento para mais sorrisos amarelos e mais uma oportunidade para elocubrações românticas em torna da “figura do mestre”, que é “pai”, é “mãe”, é o “forjador do futuro”, enfim, essas farsas todas que nos humilham porque não são sinceras, porque na dura realidade do exercício de nossa profissão não somos valorizados.
HOJE/Foz – Quer dizer que são palavras, apenas palavras de exaltação, as homenagens, as glorificações ao professor?
Juvêncio – Exato. E disse estamos fartos. Há, evidentemente, um carinho sincero para com o professor dedicado por alunos ou pais, principalmente se o aluno não tiver problemas de nota, pois, do contrário, o professor é de novo vítima.
HOJE/FOZ – Certamente não é mais fácil o exercício do magistério. Os problemas parecem se avolumar. E a quem cabe preocupar-se com esses problemas e resolvê-los?
Juvêncio – Evidentemente que o primeiro interessado deve ser o próprio professor. Os professores precisam sentir a necessidade de se organizarem e constituírem uma classe com força, poder de pressão e decisão. De fora ou de cima só vem fogo. Precisamos nos defender.
HOJE/Foz – Para isso existe um APP e o senhor é representante dessa entidade em Foz do Iguaçu. O que há por fazer?
Juvêncio – Tudo. Está tudo por começar. Pior até: há que se remover o pessimismo e a desconfiança em torno da Associação dos Professores do Paraná oriundos de trabalhos e orientações mal conduzidas no passado. A indiferença de muitos professores para com uma perspectiva de associação de classe é revoltante.
HOJE/Foz – Mas, por que?
Juvêncio – Porque cada um prefere murmurar ladainhas de insatisfação e inconformismo a nível de fofoca e na hora de assumir posições conscientes e consequentes cada um procura um refúgio e foge da luta.
HOJE/Foz – Mas é preciso achar uma fórmula para sair desse marasmo…
Juvêncio – É preciso. É imperioso. Urgente. O professor deve perceber isto: que é preciso ser sócio da APP, atuar não penas como professor, mas na defesa e conquista de seus direitos e de sua dignidade. O comodismo e a desintegração são nossos piores inimigos. Sim, porque as autoridades se aproveitam de nossa omissão, de nova falta de solidariedade, nossa falta de organização para nos isolar, marginalidade e explorar.
HOJE/Foz – Por que, pior exemplo, os professores de Foz não assumiram nenhuma posição na recente greve dos professores paranaenses?
Juvêncio – Assumimos a pior das posições. Não só por nossa culpa. Estávamos desligados de tudo e as lideranças do movimento não vieram nos procurar. Mas é certo que há muito medo, a covardia de quem acha que o risco é muito grande, quando na verdade o que tínhamos a perder era apenas a situação injusta e indigna em que o Governo nos mantém.
HOJE/Foz – Então a greve dos professores fracassou?
Juvêncio – Não fracassou propriamente. Não teve muito sucesso também. Mas serviu para uma tomada de posição e um despertar. Os professores conseguiram fazer a sociedade debater seus problemas e conseguiram sensibilizar o povo em torno da gravidade de seus problemas, recordando-lhes a origem da vergonha decadência da escola e do ensino.
HOJE/Foz – Só não conseguiram sensibilizar o governo, que condenou o movimento, ameaçou, negou-se ao diálogo e não fez concessões substanciais…
Juvêncio – Perfeito. Mas isto tem suas consequências amargas para o próprio Governo. Isso ajudou ainda mais para revelar ao povo a fisionomia materialista desse governo indireto, que o povo não elegeria. O governador Canet fez tudo o que podia para frustrar o movimento que apenas reivindicava o cumprimento das leis federais e estaduais que dispõem sobre nossa profissão. Interessante! O Governo faz as leis e é o primeiro a não cumpri-las. Veja, por exemplo, a situação trabalhista do professor suplementarista. É funcionário mantido pelo Estado à margem da lei –uma situação perfeitamente ilegal. É apenas um exemplo. Depois, o professor que exige cumprimento às leis é subversivo, grevista, fora da lei… Pois, subversivo é o Governador e seus asseclas que não cumprem as leis do Estado e do governo.
HOJE/Foz – Mas o movimento dos professores não teve consistência, força para sustentar a luta e ir às últimas consequências?
Juvêncio – Não teve porque quem pode contra a prepotência e corações empedernidos? O sr. Canet e seus asseclas, por certo, não se lembram de que para chegarem ao poder onde estão encastelados também roeram a paciência, a bondade e a sabedoria dos professores. E agora, quando os professores pedem um ordenado decente e justo, um vínculo legal com o Estado, ele aparece na televisão para fazer sarcasmo e deboche dizendo que ele também ganha pouco e que pode dar-se ao luxo de gastar o que ganha pelo cargo que ocupa em presentes para seus afilhados, em casamentos e tantas frescuras da “society” e diz que o que faz com alegria. Mas quem não faria isso com alegria, se pudesse?
HOJE/Foz – O sr. Ney Braga já afirmou que a educação será a meta prioritária de seu Governo. Poderá mudar alguma coisa?
Juvêncio – Já se torna ridículo ouvir um político dizer isso. A educação sempre foi a meta prioritária na boca demagógica dos políticos em vésperas de eleições. Depois, qualquer ponte a ser construída assambarca essa prioridade. Que fez o sr. Canet? Prédios e prédios escolares, sim. Mas e o elemento humano, o professor, que é o mais importante? Talvez ele pense que educar é construir salas de aula, possivelmente na convicção de que um dia as paredes comecem a lecionar e iluminar as mentes dos jovens.
HOJE/Foz – E a situação da escola, do ensino propriamente dito?
Juvêncio – É um fracasso. É triste ter que ser realista e reconhecer isso. O ensino chegou a níveis inaceitáveis. É uma parafernália. A primeira culpada é a própria Reforma de Ensino, ditada pela Lei 5692. Em nome dela já se disse que se faz de tudo. E a confusão é total. Ninguém mais sabe o que está fazendo e o que deve fazer. E é assim porque também os que fizeram e impuseram essa lei não sabiam o que estavam fazendo. Levaram a escola à burocratização excessiva, à formalidade, à inocuidade. Atribuíram-lhe metas inviáveis. E o aluno fica desnorteado e não aprende mais nada. Como isso é alarmante!
HOJE/Foz – Mas não é culpa do professor?
Juvêncio – Como culpa do professor? Não é culpa nossa se estamos na situação que descrevi anteriormente. E não é de nossa alçada corrigir as distorções e os absurdos que já foram institucionalizados. Fazemos o que podemos. E o aluno leva como pode. E a escola é o que é, não? O que é mais triste é que o aluno sai e vai enfrentar a vida com a sensação de incompetência, quando na verdade quem o entregou ao mercado de trabalho foi essa escola que se diz profissionalizante e mal consegue alfabetizar o jovem. O ensino primário é primaríssimo, o médio é medíocre, e o superior pouco ou nada tem de superior.
HOJE/Foz – Haverá alguma saída para tudo isso?
Juvêncio – Difícil prognosticar porque a coisa está incrustando demais. É preciso rever tudo, pensar tudo de novo. Devolver a dignidade ao professor; empenhar o aluno em atividades e estudos aproveitáveis e realmente formadores; mudar os currículos absurdos, enfim, é preciso começar tudo de novo na escola.
Fonte: Entrevista concedida ao jornal HOJE FOZ, em 19 de outubro de 1978, ao jornalista Adelino de Souza.