Grupos da sociedade civil voltaram a cobrar a transformação do prédio do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio de Janeiro, órgão da repressão da ditadura, em espaço de memória e resistência. O prédio, fechado desde 2008, pertence ao Estado, e é administrado pela Polícia Civil. A ideia é que o prédio seja usado para abrigar organizações de defesa dos direitos humanos e para atividades culturais.
Apresentada em audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a proposta da sociedade para o antigo Dops prevê a reforma do prédio para abrigar teatro, shows de música, exposições, uma sala de estudos com biblioteca aberta ao público, além da instalação de órgãos como o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. A gestão do espaço de memória seria feita por órgãos do estado do Rio, em conjunto com representantes da sociedade civil e de universidades.
Segundo a representante do Grupo de Trabalho Dops, da Comissão Estadual da Verdade (CEV), Fenanda Pradal, o prédio está “abandonado por dentro”. Ela exibiu fotos de infiltrações, da infraestrutura precária e de má conservação de documentos, inapropriados para o manuseio, por causa da contaminação por ratos. Fernanda defendeu o tombamento oficial do imóvel, tanto pela importância histórica quanto para evitar a descaracterização e resguardar o acervo.
“A sala onde funcionou o Dops ainda tem a vedação acústica, que era utilizada para abafar as práticas de tortura, e algumas celas por onda passaram presos políticos estão parcialmente preservadas”, declarou. Sem o tombamento, que pode ser feito por órgãos estaduais, ela acredita que uma parte da história contemporânea do país e das práticas do regime militar se apagará.
A representante do Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça, Ana Buksztyna Miranda, que foi torturada e mantida presa no prédio durante nove meses, no regime militar, diz que “é urgente a construção de um espaço no local, comprometido com a memória da resistência e das lutas sociais, que demonstre as violações de direitos cometidas pelo Estado”, ao longo da história. Com isso, ela acredita que é possível estimular medidas que impeçam “a repetição dos fatos”.
“É preciso transformar o prédio em um espaço voltado para as políticas de direitos humanos, de modo que seja dinâmico e exclusivo, congregando a produção, guarda e circulação de informações, documentações, acervos e projetos voltados ao direito à memória, verdade e justiça”, afirmou, ao ler manifesto pela transformação do prédio, com assinaturas de 50 entidades.
Representando a Polícia Civil na audiência, o assessor institucional Gilbert Stivanello disse que há um receio de “estigmatizar” a corporação por uma atividade durante duas décadas, com a cessão do prédio. “Envergonhamo-nos com esses equívocos [o envolvimento da Polícia Civil no Dops], mas a corporação não pode resumir sua existência centenária à existência do Dops”, disse. Ele negou que o prédio vá receber lojas, e disse que o planejamento é para o Museu da Polícia Civil.
A presidenta da CEV, Nadine Borges, lembrou que o Ministério Público Federal (MPF) pediu o tombamento do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), na Tijuca, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O local é apontado como o maior centro de tortura e assassinatos pelo regime militar no Rio. O requerimento do MPF completa um ano amanhã (20).
O governo do estado não mandou representante à audiência e não respondeu à reportagem sobre a reivindicação da sociedade. Ficou decidido, na Alerj, que nova audiência será promovida em novembro, com o governador eleito, para tratar do tema.
Fonte: Agência Brasil