Essa luta nasceu da necessidade de fazer com que os filhos dos assentados e acampados pudessem estar resguardados em relação à alfabetização e a educação.
Associada à ideia de construir nos jovens uma consciência revolucionária, a realidade escolar é atrelada ao meio da luta em que os educandos vivem no campo.
Hoje, cerca de 1.800 escolas trabalham com jovens de 7 a 14 anos. Destas, 1.100 são reconhecidas pelos conselhos estaduais de educação e cultura.
As escolas do MST abrigam por volta de 200 alunos e contam com cerca de 4 professores, além dos 250 educadores que trabalham nas Cirandas Infantis – educação de crianças até seis anos ou na faixa da alfabetização.
Para falar sobre a perspectiva dos educando dentro do Movimento, conversamos com Maria de Jesus Santos Gomes, do setor de educação estadual do MST no estado do Ceará.
Qual a maior reivindicação do Movimento em relação as escolas do campo?
O nosso objetivo inicial era implementação de escolas até 4° série. Com o tempo, o movimento foi se expandindo, a visão do direito à educação se ampliou para o ensino fundamental e médio.
Nós temos apenas 0,7% dos nossos jovens com acesso ao ensino médio nos assentamentos. Essa ainda é uma grande necessidade da nossa juventude, que hoje, para concluir os estudos, tem que se submeter ao êxodo rural. Por isso, a luta pelo MST é pelo aporte na educação.
Reivindicamos a implementação da pedagogia do Movimento nas escolas. E essa implementação pedagógica tem origem na nossa luta pela terra, na luta da classe trabalhadora.
De que maneira é pensado o projeto pedagógico dentro das escolas?
Nos baseamos nas experiências de educação dos trabalhadores ao longo de toda a história. Nos perguntamos como foi a educação na Comuna de Paris? Como foi a escola na Revolução Russa? Como foi as experiências educacionais de habitações populares na América Latina, em especial o Brasil, com a pedagogia do oprimido vinda de Paulo Freire. E assim, atrelada também a própria experiência do MST nos seus 30 anos de luta, criamos a nossa perspectiva de educação.
Os educandos são estimulados a participar desse processo?
Muito. Um exemplo é que aqui no Nordeste a seca é uma realidade. Dentro dos nossos assentamentos buscamos desenvolver essa realidade através de idéias e projetos práticos que insiram tecnologia no semi-árido, na seca.
Outra questão é o desenvolvimento científico. As escolas convencionais não se preocupam com o rigor cientifico, nós do Movimento procuramos desenvolver esse campo. A ideia é fazer com que esse conhecimento interaja com a realidade, nos ajudando na qualificação da vida. Isso faz com que tenhamos uma visão dialética do conhecimento.
De que maneira o restante da comunidade é inserida dentro desse contexto?
Nos assentamentos prezamos pela direção coletiva, todos devem estar organizados em núcleos, cooperativas ou associações para participar ativamente do processo pedagógico da escola.
Incentivamos a auto-organização, o vínculo dos educandos com o trabalho, não só o trabalho convencional, mas atividades que remontem a realidade dos assentamentos. Cuidados com a terra e com a questão da agroecologia não devem só ser estudados, devem ser praticadas, nossas escolas devem desenvolver jardins e campos experimentais, quintais produtivos, áreas que fortaleçam o conhecimento da terra, mas que também tenha tecnologia. Para isso, contamos com a participação de todos dentro dos assentamentos.
Quais as maiores dificuldades encontradas para manter as escolas dentro dos assentamentos?
Hoje a nossa luta é por escolas dentro da comunidade. Caso o aluno tenha que sair, que seja para escolas próximas ao seu acampamento ou assentamento. Por exemplo, conseguimos atender a demanda do ensino fundamental; já para o ensino médio não conseguimos o número adequado de alunos por sala de aula.
O aluno tem que se locomover cerca de 20 km para estudar. Por isso, a nossa maior reivindicação é para que haja um acesso intra-campo desses estudantes. Outra questão importante que devemos levantar, principalmente nos últimos anos, é fechamento das escolas do campo pelo agronegócio.
Tivemos uma grande experiência do Rio Grande do Sul com as escolas itinerantes, mas essas escolas foram criminalizadas indiscriminadamente no governo de Yeda Crucius (PSDB).
Para denunciar o fechamento de mais de 37 mil escolas pelo Brasil, isso só entre 2002 e 2013, MST criou uma campanha em 2011 “Fechar escola é crime”. Essas escolas fechadas vão contra a lógica de acesso ao conhecimento é a negativa do direito à educação, além de ser uma causa política de desmonte das comunidades.
Além da restrição ao bem maior que é a educação, quais as outras conseqüências do fechamento dessas escolas?
A escola é um espaço cultural, um espaço de convivência comunitária, de lutas. Então ao se fechar uma escola se desmobiliza também uma comunidade. Lutamos pela reabertura das escolas fechadas e a construção de novos espaços de ensino.
Atrelado ao fechamento das escolas, questionamos também o financiamento público das escolas. O cálculo do financiamento da educação é feito através da relação estudante x custo. A proposta que o setor de educação do MST tem apresentado é a de um financiamento diferenciado paras as escolas do campo, um método que contemple, por exemplo, o custo escola.
Qual a perspectiva do Movimento da educação dentro do MST?
A Reforma Agrária Popular passa pela elevação do nível de escolaridade da nossa base. Não podemos gerir cooperativas agroindustrias, processos produtivos e orgânicos sem conhecimento. Esse é um debate muito presente dentro do Movimento.
Entendemos que a escola é um direito público, não pode ser privado, o projeto político-pedagógico tem que ser direcionado pela comunidade, pelos sujeitos que estão envolvidos nessa tarefa. Entendemos que devemos considerar a luta e a memória daquela comunidade. É a nossa maneira de preservarmos a nossa história.
Fonte: MST