Somos jovens negros e negras. Somos vítimas da violência

Somos jovens negros e negras. Somos vítimas da violência


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Pensar em Semana da Consciência Negra é também refletir sobre violência. Violência essa que tira a vida de milhares de jovens todos os anos, mas, principalmente, de jovens negros e negras que são vítimas, antes de tudo, de preconceito e discriminação.

Segundo o mapa da violência, entre os anos de 2002 e 2012, houve uma queda dos homicídios de brancos(as) – diminuíram em 24,8% – e um aumento dos homicídios de negros(as) – cresceram em 38,7% – no Brasil. No entanto, ainda segundo o mapa da violência em sua publicação “Juventude Viva – Os Jovens do Brasil. Mapa da Violência 2014” (acesse o estudo clicando aqui), a situação entre os jovens é ainda mais preocupante, pois o número de vítimas brancas cai 32,3% e de vítimas negras cresce 32,4%. Com isso, de acordo com o documento, o índice de vitimização negra total passa de 79,9%, em 2002, para 168,6% em 2012. O que representa um aumento de 111% na vitimização de jovens negros.

O sociólogo Pedro Bodê, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ao falar sobre violência entre os jovens, explica que os mais afetados são os pobres e, entre os mais pobres, está a população negra. Bodê acentua que as maiores vítimas de homicídio são os meninos negros. As meninas também sofrem um conjunto de violências, muitas vezes cometidas dentro do próprio grupo social, mas são vitimizadas de outras formas.  “O homicídio é o indicador de violência mais preocupante. E, nesse ponto, os mais atingidos são os meninos negros”, explica ele.

Para o sociólogo, a violência existe, principalmente, no âmbito estrutural, tratando-se de uma questão fundamental da falta de serviços prestados à população mais pobre. Isso implica na ausência de acesso a direitos fundamentais à vida, como saúde de qualidade, educação, segurança, direito de ir e vir e tantos outros. A violência estrutural que sofre essa população se agrava quando, muitas vezes, a única forma em que o Estado chega até ela é por meio da polícia. Como ressalta o sociólogo, “nesses casos se exige que a polícia faça coisas que não é da sua alçada”.

Ele explica que a polícia passa a ter obrigações que não são do trabalho dela, como exemplo, muitas vezes fazer o papel de ambulância em um acidente, substituindo o serviço de saúde, ou estabelecer disciplina, como em casos em que a patrulha escolar substitui o professor, e outras ações em que a polícia se faz presente. “Há um conjunto de práticas em que a polícia acaba tomando atitude. É o desvio de função pela ausência de outros serviços. Chamo isso de policialização das políticas públicas destinadas aos pobres”, declara Bodê. Isso implica em um processo danoso em que não só se desvia a polícia, mas pede a ela que faça ações que não é de sua função.

O membro do Fórum da Juventude Negra no Paraná (Fojune-PR), Watena Ferreira N’Tchalá, explica que a violência voltada contra os(as) jovens negros(as) afeta negativamente a relação dessa juventude com a sociedade de várias maneiras. “Essa violência que nós negros somos alvo resulta em uma falta de confiança na sociedade como um todo para ajudar em nosso desenvolvimento”. Watena percebe, além disso, que o desenvolvimento humano e econômico desses(as) jovens também sofre por causa da violência. “É difícil, e não é exagero dizer que é quase impossível, que um jovem negro ou negra não tenha passado por alguma situação que foi alvo de violência no meio social em que está inserido”. Para ele, a polícia é responsável por cometer grandes atos de violência contra esta parcela da juventude. “O agressor mais violento é o Estado, e, principalmente, a polícia quando nos rotulam como suspeito-padrão. Um exemplo de instituição que está em descrédito com a população negra”, completa.

Watena também chama a atenção para a violência que está nas relações interpessoais. Para ele, o racismo está impregnado na sociedade. É preciso ter um olhar mais crítico nas ações pessoais de cada um e de quem está ao redor. “Quando uma pessoa negra é apontada de ver racismo em tudo é porque o racismo está, sim, muito presente em toda a nossa cultura. A diferença de quem vê esse racismo em tudo é que uns são alvos dele e outros não”, finaliza.

POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO – Dentro do universo da violência, Pedro Bodê destaca a importância das políticas públicas em que o Estado determina uma ação para resolver um problema de saúde, de educação e outros. Um exemplo de política pública voltada para a educação são as cotas raciais em universidades públicas do país. Ele levanta o questionamento de que, se não existissem as cotas raciais, “quanto tempo mais se esperaria para que a população negra tivesse acesso a algo que já é seu por direito?”.

O sociólogo completa dizendo que “se não há diferença da capacidade intelectual por parte da população pobre e negra, como a raça não é um elemento que incida sobre as capacidades intelectuais, por que a população negra acaba sendo aquela com menos acesso à educação? A questão é: existe uma exclusão sistemática dessa população”.

A professora da rede estadual do Paraná, Maria de Fátima Beraldo, desenvolve pesquisas e atividades que combatem o racismo e a violência contra a juventude negra. Ela atua em Londrina e, junto com representantes do meio acadêmico, do governo e da sociedade civil, promove debates e ações que visam acabar com o extermínio da população jovem negra no Estado. “O Paraná está entre os estados que mais mata a juventude negra. Para cada jovem branco, quatro jovens negros são assassinados. Isso é exterminar a população negra, já que esses jovens são mortos entre os 16 e 17 anos, ou seja, antes de constituírem sua própria família”.

A professora destaca que a educação é o meio para que essa realidade seja transformada, já que é um instrumento importante dentro da sociedade. “Precisamos de medidas para combater o racismo, como as ações afirmativas. O Brasil tem responsabilidade com a população negra. As cotas são um exemplo de ações importantes de se promover a educação. Educação é o caminho”. Maria de Fátima completa que mais da metade da população do Brasil é negra e que “o Estado tem que dar essa resposta à população. Não pode continuar tratando a juventude negra do jeito que vem tratando”.

APP E O COMBATE À VIOLÊNCIA – A APP-Sindicato promove um importante papel de debate e combate ao racismo e à violência dentro das escolas, por meio dos educadores e educadoras da rede pública estadual de ensino. O debate do tema de discriminação racial existe na entidade há 20 anos, quando o primeiro coletivo de combate ao racismo foi formado no sindicato.

A APP, por meio de sua Secretaria de Gênero, Relações étnico-raciais e Direitos LGBT, articula produções e debates importantes com a categoria. Para a secretária da pasta, Elizamara Goulart Araújo, o posicionamento e ações da entidade são fundamentais. “Um dos pontos fortes da atuação de nossa Secretaria é o programa de formação de lideranças sindicais e educacionais comprometidas com o combate ao racismo, machismo e homofobia, e quaisquer outras formas de opressão”.

Essa ação da APP atinge uma média de dois mil educadores e educadoras da educação pública do Estado todos os anos. As atividades que visam combater o racismo e a violência dentro das escolas atinge, também, toda a comunidade escolar, já que o(a) professor(a) e o(a) funcionário da Educação levam para a sala de aula e demais espaços da escola a consciência e o debate de que o racismo e a violência não devem ser naturalizadas na sociedade.

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