Carta da IV Conferência de Educação APP-Sindicato

Carta da IV Conferência de Educação


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A escola como território de luta
Nós, educadores paranaenses, reunidos na IV Conferência de Educação da APP-Sindicato, temos como propósito aprofundar e fundamentar as discussões sobre nossas lutas pela Educação Pública. Esta luta está estruturalmente ligada à luta pela superação do modo de produção capitalista em que vivemos. Se não há o que comer, onde morar, o que vestir, se não há lazer, saúde e trabalho para todos e todas, vivemos ainda a barbárie.
Esta Conferência acontece num momento de grave crise política. A conjuntura que se apresenta tenta abalar nossas utopias. Não admitimos a corrupção, a desfaçatez e as versões inaceitáveis que aparecem no cenário político. Numa história repetida como farsa, a direita agora se arvora guardiã da moral e dos bons costumes e se multiplica em sorrisos que não ostentava tão luminosos desde a era da privataria, quando dilapidava o patrimônio público (projeto, aliás, que sonha retomar). É preciso punir os culpados, resgatar a presença histórica da luta dos trabalhadores, beber na fonte das melhores tradições cidadãs, democráticas e socialistas. Estamos em luta permanente, na sociedade e na escola.
Neste sentido, buscamos inspiração nos ensinamentos do Professor Milton Santos. Para ele, os poderosos reservam-se os melhores pedaços do território global e deixam restos para os outros. Mas este caráter destrutivo contém a sua contradição, que é a resistência dos oprimidos presentes em cada território. Esta resistência dará origem a uma nova consciência, uma nova filosofia que não aceita os valores mercantis, mas que aposta na solidariedade.
“A Escola como Território de Luta”, tema de nossa IV Conferência, permitiu o debate sobre as possibilidades de construção da Educação Pública que queremos e necessitamos. Uma educação que permita a emancipação, a realização e a felicidade dos sujeitos. E, para que isso ocorra, é necessária uma educação que aponte para o fim das diferenças que marcam secularmente a sociedade brasileira, com ênfase no fim das diferenças econômicas, passando pela superação das desigualdades entre classes, entre as etnias, entre os gêneros, entre as gerações, das condições físicas das pessoas e entre os segmentos profissionais no espaço da escola, pois acreditamos que a emancipação e a felicidade só são possíveis numa sociedade justa e solidária, o que não é o caso das sociedades capitalistas. O diagnóstico da situação da Educação Pública no Paraná e as proposições da categoria foram sintetizadas na pesquisa Retrato da Escola, cujos resultados demonstram as angústias, as necessidades, os sonhos e as aspirações de todos e todas e apontam caminhos para a continuidade da nossa luta.
Os sindicatos foram fundados, originalmente, em defesa dos interesses corporativos, portanto, por melhores salários, condições de trabalho e de vida da categoria organizada. A APP-Sindicato tem feito esta luta de forma permanente, o que tem garantido conquistas importantes para a categoria. Mas, também, nos últimos anos, avançamos na compreensão da necessidade de ampliar a dimensão da nossa luta pela universalização de direitos básicos aos trabalhadores, como: educação, saúde, terra, moradia, cultura, ou seja, lutar pela verdadeira democracia e cidadania.
A questão fundamental desse processo de organização da luta é a assunção de que o sistema capitalista é excludente e injusto na sua essência e, se não for combatido e substituído por outra forma de organização social, que seja solidária, livre e democrática, toda conquista corporativa ou de direitos será parcial e insuficiente para melhorar a vida de todos e todas. Exemplo disso são as conquistas do último período. Conquistas, não concessões! Embora hora-atividade, plano de carreira para os professores e concursos públicos tenham se efetivado, os problemas de ordem material persistem e estão na origem de outros problemas, de ordem emocional, de caráter subjetivo, uma vez que nossa atividade profissional tem esta dimensão, marcadamente humana, de formação de sujeitos. Por isso, discutimos nossa identidade, as doenças do trabalho, o stress, o autoritarismo, o assédio, etc.
A Organização do Trabalho Pedagógico foi o foco principal dos debates, uma vez que ela determina o cotidiano concreto com repercussões na subjetividade: a Gestão Democrática, a definição dos conteúdos e as diferentes formas de trabalhá-los, a avaliação, as relações entre os/as trabalhadores/as, as relações com a comunidade, os tempos e os espaços escolares. Todos estes aspectos da escola foram debatidos e, para todos eles, foram elaboradas proposições.
Entre essas proposições citamos algumas: necessitamos de mais tempo na própria escola para discussões e estudos. A hora-atividade, que serve aos professores para a preparação de aulas e correção de trabalhos, deve ser ampliada e estendida. A formação continuada e por local de trabalho têm que ser transformadas em políticas permanentes. O número de alunos é excessivo para o número de profissionais e para as instalações das escolas, por isso defendemos a sua redução por sala de aula. O número de funcionários e equipe pedagógica continua insuficiente desde o ano 2000, quando da drástica redução do chamado “Porte de Escolas”. A gestão deve ser democratizada com o fortalecimento dos órgãos colegiados. É preciso mais disponibilidade de materiais didáticos e equipamentos escolares, sobretudo bibliotecas e informatização, com mais profissionais especializados. Somos contrários e repudiamos a continuidade de políticas de cima para baixo, sem debates e com tempos exíguos.
Repudiamos também a extinção de qualquer modalidade que impeça o acesso dos alunos à educação e ao conhecimento. Assim como não aceitamos a demissão dos funcionários e funcionárias das escolas. E, principalmente, reafirmamos nossa defesa por melhores salários, pois os educadores – professores e funcionários – continuam padecendo com seus injustos salários atingidos que foram por uma desvalorização social de proporções trágicas, que colocou a educação no Brasil fora das prioridades dos governos para um projeto de país mais humano. Por isso, o aumento salarial dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação é uma emergência, assim como a regulamentação de dispositivos do Plano de Carreira dos Professores e a aprovação do Plano de Carreira dos Funcionários e Funcionárias de Escola.
Nossos anseios e aspirações dependem de uma única opção: priorizar a Educação Pública de fato, como direito social e dever do Estado. Estamos falando do financiamento da Educação Pública. O atual governador Roberto Requião comprometeu-se, em carta dirigida aos Educadores, investir 25% dos recursos dos impostos na Educação Básica. Infelizmente esta promessa ainda não se cumpriu. Não passou dos 20%. É isto que reivindicamos e que necessitamos para a melhoria da Educação, das condições de trabalho, salários e saúde. Mais recursos para Educação continua e continuará sendo nossa maior bandeira de luta, a exemplo da Campanha Nacional pela Conversão da Dívida Externa em recursos para a Educação Pública promovida pela CNTE. Assim como queremos o atendimento a nossa pauta de reivindicações.
Terminamos esta carta com a certeza de que os debates pedagógicos vão continuar. A teoria está a serviço da resolução dos problemas e da valorização dos educadores. E nos utilizamos, mais uma vez, das idéias de Milton Santos, quando ele aposta na esperança, quando ele nos mostra que o mundo, apesar de parecer girar sem destino, em função da globalização perversa e dos progressos técnicos a serviço dos lucros das empresas mundiais, pode produzir empregos, alimentos, remédios e lazer para todos e todas. Que é necessário e possível afirmar um outro mundo, com outro tipo de globalização e de socialização das riquezas, sem proprietários que geram despossuídos e excluídos. Para isso, as lutas se fazem em diferentes territórios. O território é a construção da base material sobre a qual a sociedade produz sua história. Estamos cotidianamente, com todas as nossas energias, na escola: ela é nosso território de luta, onde estamos produzindo uma outra história.
Curitiba, 13 de agosto de 2005.

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