Artigo - DAS VEIAS ABERTAS À SOCIEDADE DO DESPERDÍCIO

Artigo – DAS VEIAS ABERTAS À SOCIEDADE DO DESPERDÍCIO


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O escritor Eduardo Galeno se notabilizou por um clássico que leva o título “As veias abertas da América Latina”. O livro conta como desde a época do colonialismo se construíram “canais de drenagem” para escoar as riquezas em direção aos países que mais tarde seriam chamados de desenvolvidos. Este aporte permitiu que se criasse um jeito de viver, confundido com prosperidade, e que acabaria colocando o planeta numa situação de alerta. Normalmente chamado de sociedade de consumo, é de fato uma sociedade do desperdício.
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A atual crise da Bolívia tem raízes históricas no velho colonialismo exercido sobre a América Latina. Naquele país, a elite ligada aos negócios milionários da globalização e que vive na região da Meia Lua, ou como querem: “Nação Camba”, quer se separar dos bolivianos pobres que vivem nos altiplanos, os “Collas”.
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Em artigo publicado pela Agência Carta Maior (13 de julho de 2008), o escritor das “veias abertas” observa que a explosão do consumo no mundo atual faz mais barulho do que todas as guerras e mais algazarra do que todos os carnavais. A expansão da demanda se choca com as fronteiras impostas pelo mesmo sistema que a gera. O sistema precisa de mercados cada vez mais abertos e mais amplos tanto quanto os pulmões precisam de ar, ao mesmo tempo, requer que estejam no chão, os preços das matérias primas e da força de trabalho humana.
O sistema fala em nome de todos, dirige a todos suas imperiosas ordens de consumo, entre todos espalha a febre compradora; mas não tem jeito: para quase todo mundo esta aventura começa e termina na telinha da TV. A maioria, que contrai dívidas para ter coisas, termina tendo apenas dívidas para pagar suas dívidas, e acaba consumindo fantasias que, às vezes, materializa cometendo delitos. O direito ao desperdício, privilégio de poucos, afirma ser a liberdade de todos.
A civilização do desperdício não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também está proibida para as galinhas. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica.
Os Estados Unidos consomem metade dos calmantes e demais drogas químicas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free, tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar desce do carro só para trabalhar e para assistir televisão. Sentado na frente da telinha, passa quatro horas por dia devorando comida plástica. O lixo fantasiado de comida está em vantagem: essa indústria parece conquistar os paladares do mundo ao demolir as tradições da cozinha local. As tradições culturais estão sendo ameaçadas pela imposição do saber químico e único: a globalização do hamburger, a ditadura do fast food.
O admirável mundo da sociedade do desperdício é de fato uma armadilha para pegar bobos, só que contamina todos. Aqueles que comandam o jogo fazem de conta que a conversa não é com eles, mas qualquer um, se quiser, pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, para garantir a existência da pouca natureza que resta. A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial. Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.
*Tarcísio Vanderlinde é professor-doutor no Campus de Marechal Candido Rondon, da Universidade Estadual do Paraná (Unioeste)

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