O FSM de 2009 deve ser um espaço para o debate de um novo modelo de Estado, capaz de enfrentar os desafios da globalização e mesmo assim exercer seu papel na gestão do território
13/01/2009 – Até bem poucos meses o que se ouvia sobre o Fórum Social Mundial, que acontece em Belém na última semana de janeiro, eram opiniões que apontavam um certo esvaziamento do Fórum. Com a crise financeira o Fórum pode ganhar um novo papel no debate sobre o modelo civilizatório e econômico global. Afinal, até agora seu contraponto econômico, em Davos, na Suíça, vinha ganhando vantagem na disputa em torno de modelos de gestão e de desenvolvimento. O Estado mínimo era pregado em qualquer espaço de poder, enquanto o Estado que garante o bem estar social era pintado como um babão perdulário. Bom, veio a crise financeira e os Estados tiveram de sair de suas inércias para agir como salva-vidas das empresas e instituições financeiras. Quem está desembolsando trilhões de dólares ao redor do mundo para fazer frente às besteiras cometidas em gabinetes privados são os Estados, e de todas as matizes políticas.
Que contribuição o Fórum Social Mundial de Belém Pode dar ao debate? Na minha opinião uma das questões mais importantes para as próximas décadas é sobre “Qual é o papel do Estado?”. Já superamos as picuinhas ideológicas do Século XX, com alinhamentos automáticos e dogmáticos à direita ou à esquerda. O importante agora é saber que Estado é o necessário para os desafios deste milênio. Qual o impacto da globalização na ação do Estado enquanto gestor de territórios?
O Estado não é uma entidade autônoma e separada da sociedade que abriga. O Estado (através do governo legitimamente eleito) é gestor dos recursos de uma nação e deve ser olhado com cuidado pela sociedade em seu formato e modelo de participação da sociedade, pois as decisões devem refletir as opções e escolhas desta sociedade.
Na atual crise financeira global a sociedade brasileira não está se envolvendo em decisões fundamentais que estão sendo tomadas pelo governo. Não é um questionamento de certo ou errado, mas uma constatação sobre a autonomia do governo em relação às prioridades do País e da sociedade. Alguns exemplos de ações adotadas pelo governo, e que tem forte impacto sobre o modelo de desenvolvimento e que elegem prioridades sem uma consulta à sociedade:
* Isenção de IPI dos automóveis – São muitos milhões (talvez bilhões) de reais que não serão recolhidos aos cofres públicos. Isto vai se refletir em não investimento destes recursos em educação, saúde e outras necessidades e/ou prioridades da sociedade.
* Redução de impostos sobre financiamentos e mais oferta de dinheiro para o consumo – O movimento pela sustentabilidade vem pregando mais responsabilidade no consumo, principalmente pelos impactos no uso de matérias-primas e no descarte de resíduos.
* Apoio às montadoras – São empresas multinacionais que não publicam balanços no Brasil, não estão desenvolvendo produtos de maior eficiência energética e mal e porcamente cumprem a legislação ambiental do País.
Estas são apenas algumas das atitudes. Quem está salvando as empresas da crise internacional são os governos. No caso específico das montadoras, elas estão se socorrendo no governo, mas não tiveram nenhum pudor em desobedecer a resolução do Conama para a produção de motores capazes de rodar com diesel S50. O mesmo que algumas organizações da sociedade civil exigiram da Petrobrás no final de 2008.
O governo tem autonomia para estas decisões, sem dúvida, mas será que elas vão na direção de uma sociedade mais sustentável, ou são apenas remendos para manter funcionando um modelo de economia caduco e sem nenhum compromisso com o futuro. O Estado é uma instituição perene, os governos são efêmeros. Decisões tão permanentes para o futuro do País talvez devessem passar por instâncias mais participativas.
A democracia brasileira (igual a de muitos países) está enfrentando desafios que não existiam antes e a sociedade conta com instrumentos que ultrapassaram em muito as fórmulas decisórias adotadas no passado. A internet ainda não foi incorporada aos processos participativos, apesar de sua abrangência e capilaridade. Fora do Brasil as coisas Não são diferentes, mesmo com a eleição de Barak Obama para presidente, os cidadãos norte-americanos ainda são reféns de um modelo eleitoral do século 18, quando delegados de cada estado tinham de ir a Washington para votar. E o governo central consegue impor ao país uma guerra como a do Iraque contra a vontade da maioria da população e contrapondo os Estados Unidos à maioria do chamado “mundo livre”.
As centenas de organizações da sociedade civil, representando todo tipo de movimento social e ambiental, que estarão em Belém poderão oferecer ao mundo uma reflexão mais aprofundada sobre o tipo de Estado que este século precisa. Que tipo de participação a sociedade deve ter em um modelo de democracia baseado na participação não apenas eleitoral. Um grande desafio, já que boa parte dos cidadãos acredita que democracia é apenas um processo eleitoral. Não há participação social significativa nos conselhos de saúde, educação, ambiente e outros.
O Fórum Social Mundial de 2009 não pode ficar repisando as angústias do passado. Deve olhar para o futuro e transformar seu slogan “Um outro mundo é possível” em uma profunda reflexão de papéis. “Que Estado é necessário e possível para este outro mundo”.
* Artigo escrito pelo jornalista Dal Marcondes, editor da Envolverde e ganhador do Prêmio Ethos de Jornalismo em 2006 e 2008 e publicado na Revista Fórum