Temas para as aulas de história dos afrodescendentes Henrique Cunha Jr. 1 – Falando do escravismo criminoso na sala de aula Geralmente os estudantes afrodescendentes não gostam de falar sobre o escravismo criminoso na sala de aula. Ficam envergonhados e acanhados, trata-se um assunto indigesto. As razões desta aversão são muito simples, o assunto é sempre tratado de forma inadequada e preenchida de preconceitos e racismo que inferiorizam a população negra. As aulas de história têm um discurso que penaliza a população negra pelo escravismo sofrido, a vitima vira culpado. A história enaltece o bandido que foi o escravizador. Ele continua sendo tratado de senhor dos escravos. “O escravo” no Brasil é tratado como ser sem cultura, incivilizado, ser bruto do trabalho braçal. O escravizado não é tratado na história do Brasil como um ser pensante, com características humanas, como sujeito de uma história social. A forma que o tema do escravismo no Brasil é introduzido banaliza o crime contra a humanidade realizado pelo sistema de produção escravista. O tratamento dado ao tema sempre construí idéias que absolvem os culpados e beneficiados pelo escravismo. Dada a pobreza de informação e os erros de enfoque não é de se estranhar que os estudantes passem a detestar as aulas de história que falam de escravidão. Não adianta dizer que devemos tudo ao negro, se este tudo não é exemplificado e esclarecido em detalhes. Além do mais, devido ao racismo os alunos negros são motivos de chacotas e insultos pelos colegas. As piadinhas com os negros não são simples brincadeiras. Elas são responsáveis pela desqualificação social da população negra. Com estas piadas se aprende a desfazer da imagem do negro. Ainda esta presente nas aulas de história do Brasil uma versão alienada do escravismo criminoso. As formas que o escravismo criminoso é introduzido são lamentáveis. O escravismo aparece com alguma coisa natural, nada condenável pela ética e moral da sociedade. As apresentações dadas condenam a população africana como predestinada ao escravismo. Por conservar as suposições em ser esta população intelectualmente inferior, ou culturalmente menos evoluída, ou socialmente menos desorganizada (CUNHA JR., 2005). Estas introduções desastrosas na sala de aula repetem as introduções igualmente desastrosas que estes estudantes já tiveram na rua durante a sua infância. Nestas eles aprenderam sobre diversas formas de insultos como desqualificar socialmente a figura dos negros. Estes insultos, aos quais muitas pessoas consideram simples piadas, são partes do racismo, perfazem uma pedagogia do ensino social do racismo (CUNHA JR., 1996). O racismo é um problema social, que se aprende na rua e na escola. Nos somos insultados em dizeres como “negros da senzala”, ” lugar de negro é no tronco”, “fedido como negro escravo”, “lugar negro é na senzala”, “lugar de negro é na cozinha” e outros ditos racistas repetidos no cotidiano social e reafirmando como um processo de constante linchamento social e desqualificação da população negra. Piadas diversas e formas agressivas tratadas com sutileza perversa de acusar e recusar a população negra. Existem versões que o escravismo teria sido um beneficio para o negro, pois fomos trazidos para a civilização portuguesa nos livrando da suposta selvageria das sociedades africanas. Esta versão mostra dois outros erros. Um erro sobre o desconhecimento da história africana, sendo que entre os séculos 12 e 16, muitas das nações africanas eram mais desenvolvidas cultural e comercialmente que os europeus. Outro erro é encontrar justificativa para um regime de produção desumano e sanguinário que foi o processo de aprisionamento e escravização. A educação brasileira ainda introduz o escravismo sem condenação do sistema e fazendo a triste afirmação: “O índio não deu para a escravidão e aí trouxeram os negros”. Além de se tratar de uma informação errada, precisamos analisar o que significa tal afirmação. Ela cristaliza a idéia de que o negro era fadado ao escravismo. Deveríamos perguntar se existe povo apropriado para um regime de produção escravista criminoso. Se não bastasse este imenso erro de percepção. Erro que pela sua forma funciona como princípio desqualificador da população negra na sociedade brasileira. Temos ainda outro problema grave de abordagem do tema. Diz-se que a escravização do africano foi um processo fácil, pois o sistema de escravidão já existia na África. Erro sobre erro, visto que a escravização dos africanos não foi nada fácil, envolveu muitas guerras e lutas. Os aprisionados foram sempre trazidos pela força, acorrentados e fortemente vigiados. Ninguém se deixou escravizar. Outra que a escravidão doméstica era muitíssimo diferente do escravismo implantado no Brasil. Sempre se omite informação que a mesma forma de escravidão doméstica existia na mesma época na Europa e na Ásia, não sendo particularidade da África. Permanece o enfoque também errado de que o escravismo no Brasil teria sido brando. Refletindo a crueldade das nossas idéias. O que significa um sistema criminoso ser brando? Aquele que mata lentamente. Bom a cena que assistimos esta sempre procurando desculpar o escravizador dos seus crimes. Existe uma construção que nos faz ter pena dos escravizados e impunidade com o escravizador. Trata-se de um erro sobre outros erro. Estabelece erros sobres erros de informações e de enfoques que prejudicam a população negra e a compreensão da história do escravismo criminoso. As matanças durante os ataques a cidades e vilas para o aprisionamento, os sucessivos enforcamentos, mutilações e constante tortura não são narrados de forma completa pela história do Brasil ensinada nas escolas. O escravismo criminoso era um regime de constante terror, coerção física e mental dos escravizados. Somente o terror e a violência constante que permitiu a dominação sobre a população escravizada. Mesmo sob as pressões do clima de terror constante os africanos e afrodescendentes sempre realizaram lutas contra o sistema. Os quilombos existentes aos milhares na história do Brasil é a prova mais concreta da lutas contra o sistema. Diariamente existiam fugas nas cidades e nas plantações. Não tem sentido pensarmos que escravismo criminoso poderia ter sido brando. Mas a construção de uma história mentirosa, ou de meias mentiras sobre o escravismo depende destas coisas. Uma história errada supunha que o africano já estava acostumando ao escravismo, outra que este escravismo seria ameno. Então deduzimos destes erros de informação que escravizados e escravizadores teriam vivido em certa harmonia social. Esta é a síntese que se prega para justificar a sociedade brasileira como pacifica e de completa integração entre africanos e europeus, entre negros e brancos. A ma consciência imposta pelo livro “Casa Grande Senzala” permanece. Ali se exalta o colonizador, o escravizador, o criminoso, por ter estuprado as escravizadas e tem-se aí a firmação da boa convivência do sistema, onde a escravizada se mestiçou como o escravizador (FREIRE,1994). O fato é trabalhado como positivo. Vejam o estupro da escravizada não é apresentado como crime abominável. Fica no imaginário social as formas re-trabalhadas pelas novelas como um romance livre entre seres como a mesma autonomia social. Não como um ato de coerção e mau trato, de imposição machista e racista. Não é apresentado como crime devido ser à base da mestiçagem brasileira. A mestiçagem por sua vez é narrada como o fator conciliador entre negros e brancos no Brasil. Fica como se a mestiçagem tivesse resolvido os problemas sociais. Nós temos que lembrar que os mestiços foram vendidos pelos seus pais, escravizadores, como escravos. Eles não herdaram as propriedades e as contas bancarias. Ficaram no lugar do negro, no meio da população escravizada. Nas aulas de história quando se conversa abertamente sobre o escravismo criminoso e se dá um contexto mais amplo de informação, primeiro sobre as sociedades e nações africanas, depois sobre a Europa daquela época do século 14 e 15, sempre surge com grande inconformismo a pergunta: Mas por que o africano se deixou escravizar? Vemos que o sistema continua sendo uma incógnita para estes alunos. A resposta de que eles não se deixaram e que foram forçados ainda não satisfaz precisa de outras informações e de outras respostas. Não é um assunto fácil devido a quantidade de informações erradas que foram incutidas anteriormente. Alem de informação racista existe a desinformação persistente. O cotidiano sempre informa de forma desfavorável a identidade e a auto-estima das populações afrodescendentes. Assim este assunto precisa ser mais bem trabalhado e retomado de diversas formas. Aqui vamos fazer uma delas procurando retirar algumas dívidas sobre o tema. O silêncio sobre o tema é muito ruim, reforça apenas o desconhecimento e organiza as atitudes racistas pelo fato de dar sentido de confirmação às teorias racistas que os alunos aprendem nas ruas. 2 – O inicio da escravização dos africanos pelos portugueses O aprisionamento e escravização dos africanos pelos portugueses é uma longa e complicada história que começa muito antes do inicio da colonização do Brasil. No século 15 os portugueses já haviam se organizado como reino e estavam em crescimento econômico e de poder geopolítico. Haviam iniciado uma expansão comercial sobre as regiões do norte africano e da África ocidental. Nesta expansão passaram a realizar pirataria e pilhagem comercial sobre pequenas cidades da costa africana onde se situavam pequenos reinos com grandes riquezas e pouco poder militar. Sabemos que em agosto de 1444, 235 africanos foram trazidos para Portugal, tendo sido aprisionados num ataque pirata na foz do rio Senegal, região de importância comercial da África Ocidental naquele período. Estes aprisionados foram convertidos em escravos em Algarve, Portugal. Iniciou-se aí o ciclo de escravização de africanos em Portugal. Tratava-se ainda de uma forma de exploração pirata ilegal mesmo para os portugueses. Este período da história européia era uma fase de extrema importância da igreja católica e do poder dos papas sobre os reinos europeus. Assim em 1452, o Papa Nicolau V, através de uma bula papal, concede a Portugal a soberania sobre as terras que descobrisse nas suas navegações e autoriza a este reino a escravizar as nações encontradas (SANTOS,2006), (CONNIFF/ DAVIS, 1994). A igreja católica foi quem legalizou o escravismo dos portugueses sobre os povos que eles encontrassem nas navegações fora da Europa cristã. O decreto vale não apenas para africanos, mas todos os povos não cristãos. Por esta razão os portugueses implementaram um sistema de viagens de exploração comercial e ataques às cidades africanas e asiáticas, seguidos de pilhagens, saques e aprisionamento das populações e a seguinte escravização na Europa. Foi assim que Portugal iniciou a produção de açúcar com conhecimentos e mão de obra africana. Sistema que depois realizou em larga escala na colonização do Brasil. Decreto papal semelhante ao de Portugal foi concedido a Espanha em 1493. Permitindo a posse das terras encontradas na América e a escravização das populações indígenas. Com o tempo todas as nações européias entraram no trafego de cativos africanos para serem escravizados na América. O tráfego de início tinha outras rotas que eram apenas África para a América. Um exemplo foi quando da colonização da África do Sul pelos holandeses, com início em 1658, estes importavam prisioneiros da Ásia (Índia e Tailândia) e de própria África (Angola e Moçambique) (CLARK, 2001). Precisamos dizer que as igrejas cristãs européias todas participaram das agressões contra os povos Africanos depois do inicio pela igreja católicas. Também que os motivos da igreja católica não eram apenas religiosos. A igreja lucrava com a exploração do escravismo. Bispos na Europa participaram do tráfico de cativos. A igreja teve muitos escravos em várias partes do mundo. O texto bíblico foi deturpado e utilizado por várias igrejas cristãs para justificar a sua posição com relação ao escravismo dos africanos. Os falsos argumentos eram retirados de interpretações de passagens bíblicas para dizer que os negros não tinham alma ou que eram os povos destinados na bíblia para serem escravos. Problema semelhante aos do passado ocorrem atualmente, com as mesmas conseqüências graves para a segurança das pessoas, quando pastores fanáticos e racistas dizem que os elementos da cultura negra são coisas do diabo e abomináveis para uma sociedade cristã. Nos textos originais bíblicos não existe nada neste sentido, o que tem sido pregado atualmente é produto de uma forma racista de conceituar as religiões africanas e os elementos da cultura negra. Importante notar que do século 6 ao 14 Portugal foi dominada pelos Almorovitas, que nos denominamos de Mouros. Este são povos africanos islamizados que constituíram um poderoso reino no norte da África. Este Almorovitas dominaram não apenas uma extensa região no continente africano, como também uma imensa rede comercial que se estendia pela Ásia e sul da Europa. Os Almorovitas são hoje povos dos Mali, Tuareges e Berberes do Marrocos e da Argélia. A relação de guerras entre africanos e europeus datam deste período. As guerras eram pelo comércio, mas tinham também significado religioso. O cristianismo era uma religião de fora da Europa, que foi adotada pelos europeus e passou a ser símbolo da unificação dos reinos europeus e da constituição da civilização ocidental. Então, o aprisionamento de africanos e a escravização na Europa foram realizados inicialmente por motivos religiosos. Por este motivo é que o Papa Paulo VI pediu perdão aos africanos pela escravidão. Devemos ressaltar que na origem deste ciclo do escravismo europeu que se iniciou com as bulas papais de 1452 e 1493, e que vitimou milhões de africanos, nada de particular em termos de raça ou cor havia contra os africanos. O desenvolvimento do sistema escravista criminoso que em épocas seguintes estigmatizou apenas o africano como escravo. De um problema cultural religioso, com o passar de dois séculos resultou num problema racial cuja conseqüência vivemos até o presente. Neste sentido que é preocupante o racismo religioso anti-religiões africana no presente. A Macumba e o Candomblé têm sido estigmatizados como coisa do demônio e trata-se de uma forma de racismo com conseqüência atuais e futuras preocupantes. Na história da humanidade os exemplos são vários, do nada se faz o ciclo de atentados criminosos contra um povo. Passam a pregar por palavras, orientam a massa popular contra coisas simples, depois transformam em normas sociais e na seqüência em leis criminosas, perseguem e por fim matam para eliminar o suposto mal. 3 – O escravo que aparece na história do Brasil é uma generalidade sem pensamento O escravo e as senzalas parecem sempre iguais nas histórias do Brasil. O escravo fica como sinônimo de africanos e de negros. O escravo é representado sempre de trajes mínimos e dorso nu e geralmente apanhando. Lendo a história do Brasil saímos com a sensação do escravo ser um coitadinho, submisso e bem ajustado as ordens do senhor. Mais ainda o escravo é pensado como findo da tribo dos homens nus. Tradução de um lugar nenhum onde cultura nenhuma se processou. Que aqui não tem história, como um ser que não pensa e não realiza por si próprio, apenas reage às ordens e aos maus tratos. A realidade da história do Brasil é que a população escravizada realizou um número enorme de profissões e atividades sociais. Que em muitas cidades brasileiras do passado conservaram organizações sociais, vestimentas e costumes das suas nações ou regiões de origem. Estas imagens diversas sobre a vida dos escravizados podemos vê-las no livro de Carlos Eugenio Moura, “A travessia da Calunga Grande: Três séculos de imagens sobre o Negro no Brasil (1637-1899)” (MOURA, 2000). Além dos escravizados das grandes propriedades existiram diversas outras maneiras de ser escravizado. Mesmo músicos, artistas e intelectuais foram escravizados. Profissionais e artistas da área de construção de igrejas e monumentos foram escravizados. Vendedoras de comidas, quitandeiras e comerciantes em feira públicas foram escravizados de ganho. Também uma parcela significativa de africanos e descendentes de africanos conseguiram a liberdade ou já nasceram livres dado a liberdade anteriores de seus pais e avos. Nos trezentos anos de escravismo a diversidade e a complexidade da composição da população negra era enorme. Infelizmente a história do escravismo que apresentamos na sala aula não traduz esta riqueza de informações. O escravo é representando como uma generalização imbecilizada, não como seres pensantes produtores de uma história social. 4 – O escravismo é criminoso Uma aula não se resume a si própria, ela dialoga com outras informações, se compõe com costumes e praticas sociais diversas presentes e ausentes na sala de aula. Ausentes como informações que deveriam ter chegado a sala de aula e não chegam. Na atualidade a aula conversa com as imagens vindas das novelas da televisão. Nestas novelas a imagem da população negra e o tema do escravismo é sempre tratado de forma sentimental e distante da realidade histórica. O escravo sempre fala errado e senhor correto. A própria forma de falar produz uma sensação de hierarquia cultural e social entre os atores. Um sabe tudo, é firme e resoluto nas suas ações, o outro está sempre assustado e não sabe nada. A aula também dialoga como os racismos, o que se pensa que os africanos foram e como erram partido de informações racista que persistem ate hoje. Existem e persistem diversos discursos que executam uma pedagogia de desqualificação da cultura de base africana, dos africanos e de seus descendentes. A relação do se pensa da cultura com as pessoas é automática. Esta relação afeta a todos de uma maneira geral, mesmo aqueles que se dizem morenos. Na semana passada num dos nossos cursos de pós-graduação em educação, um dos estudantes, de maneira espontânea e irrefletida queria supor um hipotética situação de atraso cultural. Sem mais e sem uma razão especifica supôs ser o lugar na África. Quando do protesto de uma das colegas que interrogava por que África? O estudante ficou irritado e protestou se dizendo não era racista. Ele o é e não sabe, mais grave não tem o compromisso de corrigir dos problemas que carrega de uma cultura racista. O racista não apenas aquele que odeia negros e judeus, é também quem pensa e age de forma racista. Os educadores precisam tomar cuidados como os conteúdos dos seus discursos, pois facilmente podem transformar suas aulas em partes da pedagogia do racismo. Para não incorrer neste costume é necessário uma vontade política, coragem de não fugir aos problemas e uma preparação conceitual. O ato mais comum é de colaborar para a manutenção da situação atual fugindo as verdades e sendo omisso no tratamento adequado do tema. Para uma aula de razoável base de informação sobre as origens e conseqüências do escravismo criminoso sugiro conhecerem e discutirem quatro livros básicos. Para começar seria bom conhecerem o trabalho de Walter Rodney, “Como o europeu sub-desenvolveu a África” (RODNEY, 1975). Este livro explica primeiro a organização e o desenvolvimento do continente africano ante da presença européia. De inicio o livro introduz uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento e sub-desenvolvimento. Demonstra os interesses europeus na África e a sucessiva política de desgaste do continente depois do século 14, como os ataques e as explorações mercenárias e os assassinatos em massa e os aprisionamentos e exportação para o escravismo criminoso. Conclui com a dominação européia depois de quatro séculos de lutas e que a Europa enriqueceu e a África ficou pobre. Pelo força das armas e da opressão os europeus sub-desenvolveram e dominaram a África. A luta e organização dos africanos e afrodescendentes contra o escravismo é muito bem representada pela saga dos quilombos. Décio de Freitas narra com boa profundidade esta atuação histórica em “Palmares a guerra dos escravos” (FREITAS, 1978). De maneira contundente fica registrada a atuação dos africanos e descendentes como sujeitos ativos da história do Brasil. Clóvis Moura, no seu livro “De bom escravo a mau cidadão” (MOURA, 1987), proporciona uma síntese dos significados da história brasileira em apresentar o escravo como ser dócil e perfeitamente adaptado ao trabalho escravizado. Esta apresentação retira o conteúdo de conflito da formação histórica brasileira. Reforça a idéia descabida que nossa escravidão foi branda. A mesma história representa em seguida o descendente de escravo como ser irresponsável e culpado do seu estado de desigualdade social. Representado como mau cidadão, não seriam as ausências de políticas públicas específicas e nem os racismos responsáveis pelo insucesso social da população negra. Deixa a sensação de que o próprio negro se auto-discrimina e seria ele o responsável pela sua situação. A história apresenta o imigrante como novo herói e modelo do bom cidadão. Falta uma análise realística da situação da população negra e dos benefícios e favorecimentos sociais proporcionados aos imigrantes (CUNHA JR., 2006). Sobre a abolição do escravismo criminoso Maria Helena Machado nos traz um quadro interessante do pânico entre as classes dominantes em virtude das constantes revoltas de escravizados e das dificuldades de controle dos quilombos e mocambos existentes. O livro tem com titulo “O Plano e o Pânico” (MACHADO, 1994). Trata-se de uma explanação das tensões sociais e das propostas de reforma agrária e de projetos sociais que foram pensados durante a campanha abolicionista. Planos e projetos sociais que não se concretizaram, mas que demonstram uma amplitude de fatores internos que concorreram para a abolição do escravismo criminoso. São conteúdos sociais que vão muito além de pensarmos apenas nas pressões inglesas e na necessidade de ampliação do mercado consumidor como razões para a libertação em 13 de maio de 1888. O protagonismo social do povo negro foi a principal razão da abolição do escravismo criminoso. Razão que fica encoberta e menosprezada na maioria das aulas de história do Brasil. A frase final deste texto é que os negros não se deixaram escravizar, foram forçados, foram coagidos ao escravismo. Escravismo é crime e os escravizadores é quem tem que ter vergonha do modo de produção que implantaram no Brasil. Tem que ter vergonha e assumirem a sua história sem procurar dividir a culpa com os africanos e descendentes de africanos. O escravismo e o racismo sofridos por nós negros foram por causas políticas e econômicas. Única e exclusivamente pela sede de poder e dominação dos europeus. As outras justificativas como cultura e inteligência são apenas formas ideológicas de se isentarem dos crimes cometidos. Henrique Cunha Jr. Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira. Instituto de Pesquisa da Afrodescendência – IPAD. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS: CLACK, Joy (Editor). All about South África. Cape Town: Struik Publisher. 2001. pp.24. CONNIFF, Michael e DAVIS, Tomas. Africans in the Americas: A history of black diaspora. New York: St. Martin Press, 1994. CUNHA JR., Henrique. Por um projeto de ensino de história dos afrodescendentes. Fortaleza: Mimeografo. Faculdade de Educação – UFC. 2005. ——. Me chamaram de macaco e eu nunca mais fui a escola. Fortaleza: Mimeografo. Faculdade de Educação – UFC. 1995. ——. Espaço urbano e pobreza da população negra. Salvador: Anais do Quarto Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros. 2006. FREITAS, Décio. Palmares a guerra dos Escravos. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Jose Olimpio, 1994. MACHADO, Maria Helena. Plano e o Pânico. Os movimentos sociais na década da Abolição. São Paulo: EDUSP, 1994. MOURA, Carlos Eugenio.A travessia da Calunga Grande: Três séculos de imagens sobre o Negro no Brasil (1637-1899). São Paulo: Editora da USP, 2000. MOURA, Clovis. De bom escravo a mau cidadão. Rio de Janeiro: Conquista, 1987. RODNEY, Walter. Como o europeu sub-desenvolveu a África. Lisboa: Seara Nova, 1975. SANTOS, Ademir Barros dos. O negro legal. Sorocaba – SP: UNISO – Núcleo de Cultura Afro-brasileira. Folheto. 2006. |