99 anos de Dalton Trevisan / Artigo de Cláudia Gruber

99 anos de Dalton Trevisan / Artigo de Cláudia Gruber

"O que não me contam, escuto atrás das portas"

Créditos da ilustração: Simon Taylor / Biblioteca Pública do Paraná

Nestes mais de 77 anos de produção literária foram algo como 700 contos escritos por Dalton Trevisan que, neste 14 de junho, completa 99 anos. 

Diz ele que “O que não lhe contam, ele escuta atrás das portas, espia pelos buracos das fechaduras”. E como ele tem escutado! E visto também. Escutou os ruídos da Segunda Guerra Mundial, viu a chegada das primeiras tvs no Brasil, a instauração do AI-5, o homem chegar à lua, a promulgação da Constituição Cidadã, as Diretas Já, o surgimento quase instantâneo do Calçadão da XV, já que ele é Vampiro de Curitiba e uma de suas paixões sempre foi circular pelos espaços icônicos de nossa cidade. 

Dalton começa cedo seu fazer literário. Lá em 1946, funda a revista literária Joaquim, uma homenagem a todos os joaquins do Brasil. Na revista conheceu e foi conterrâneo de artistas como Otto Maria Carpeaux, Rubem Braga, Mário de Andrade, José Paulo Paes, Vinícius de Moraes, Di Cavalcanti, Carlos Drummond de Andrade…e lá começou uma parceria que se estendeu por uma vida inteira: Potyguara Lazzarotto ou simplesmente Poty, seu amigo e principal ilustrador. Lembro de um trabalho deles para o caderno de cultura de um jornal local que saía todos os domingos no início da década de 1990. Eram minicontos e gravuras coloridas que, posteriormente, transformaram-se em livro (234). Na época, material colecionável. Hoje, relíquia. 

O primeiro livro, de 1959, Novelas nada exemplares, faz uma alusão direta a uma de suas paixões – Miguel de Cervantes com suas Novelas exemplares (1590-1612). A sátira, a ironia e a experimentação narrativa, resguardadas as devidas proporções temporais, são muito próximas pois, ambos os escritores dão voz a personagens marginais que narram seus dramas e tecem suas críticas à sociedade, ao mundo. Lá, também conhecemos aqueles que serão seus eternos personagens: joões e marias. Veremos os esboços das mil e uma noites de paixões e traições; seremos apresentados aos seus famosos clichês com as broinhas de fubá mimoso, os dentinhos de ouro, a água geladinha do filtro, a colcha de crochê, o elefante vermelho de louça, a barata leprosa e as glicínias na varanda. 

Curitiba será o principal  palco de todas as misérias e dramas que veremos narrados nos próximos anos. Mas, não será apenas um cenário estanque, com lugares clichês ou como ele mesmo diz “para turista ver”. A cidade é viva, emergem dela tipos e certos espaços que fizeram história em determinadas épocas, que foram referências de uma Curitiba lendária, boêmia com suas boates, inferninhos e bares  que dominaram as noites da cidade por mais de três décadas. Alguns destes espaços simbólicos resistem até hoje, como o Bar Palácio lá na André de Barros ou a Ponte Preta na João Negrão.

O Vampiro de Curitiba (1965), Mistérios de Curitiba (1968), Em busca de Curitiba Perdida (1992): a cidade torna-se mais do que espaço, é a noiva que abandona Nelsinho no altar;  o noia que acende o cachimbo de craque numa esquina; o bêbado que tropeça nas calçadas da Saldanha Marinho; a guria que busca o pão quentinho na pani. Assim é a Curitiba que veremos também na sua última obra, sua Antologia Pessoal (2023).

Quase uma década sem lançar oficialmente livro novo, fomos presentados com quase cem contos escolhidos a dedo pelo escritor, 94 para sermos precisos. Antologia Pessoal trouxe clássicos (O Vampiro de Curitiba, Em busca de Curitiba perdida, Balada das mocinhas do Passeio) e também aqueles contos não tão conhecidos do grande público. Para quem pretende ingressar no universo trevisânico, é uma excelente iniciação, já que os textos seguem uma ordem cronológica e trazem um pouco de praticamente todas as suas obras. O leitor consegue traçar um amplo panorama da fortuna literária do contista e pode se lançar a desafios maiores, pois a iniciação já foi feita. Quem sabe já se acostumou também com as doses de ironia típicas do velho escritor que encerra a obra com o sugestivo conto O velório.  

Obcecado pela reescrita, Dalton já lançou outras antologias menores, onde faz alguns cortes, enxuga os textos originais ou então seleciona-os por temáticas como fez em Novos contos eróticos (2013). Esse cuidado, esse esmero com o texto é prova inequívoca do amor que o contista sente por seus “rebentos”. Sempre os trazendo novamente ao mundo, por vezes, revisitado, para nosso eterno deleite. 

TREVISAN, Dalton. Antologia Pessoal. Rio de Janeiro: Record, 2023.

Por Cláudia Gruber, professora e secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato.

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