18 de Maio: Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes APP-Sindicato

18 de Maio: Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

*Por Cláudia Gruber

Aracelis, nossos amores. 

Quando conheci a história de Aracelli Cabrera Crespo, uma tristeza profunda tomou conta de mim. Como pôde uma criança ter sofrido tanto, ter sido tão judiada, tão maltratada, tão aterrorizada? Adultos, teoricamente, são aqueles que deveriam tê-la protegido. Mas, esses adultos que, por terem dinheiro, sobrenome e status, saíram ilesos do crime que cometeram. 

Escrito em 1976, por José Louzeiro,  Aracelli, meu amor é um romance reportagem que acabou sendo censurado durante a ditadura militar, afinal, não  é um daqueles livros fáceis de ler. Embrulham o estômago do começo ao fim, causam um mal estar difícil de superar. Ele conta um crime sem castigo: uma menina de oito anos, num dia normal,  vai pra escola e some. Uma semana depois, ela é encontrada num terreno baldio, morta, rostinho desfigurado por ácido, com sinais de violência sexual, cheia de hematomas e mordidas por todo o corpo. Mas, não foram cachorros que a morderam.  Depois de uma investigação cheia de reviravoltas, chegam-se a Dante Michelini Jr. e Paulo Helal, dois jovens da elite capixaba que acabaram  presos, julgados, mas, no final do processo, foram milagrosamente  absolvidos.

Mesmo o caso tendo repercutido na imprensa, tanto nacional quanto internacional, tamanha a violência e brutalidade cometida contra a criança, foi feito de tudo para que o mesmo  caísse no esquecimento. Afinal, estávamos em 1973 e eles eram filhos de militares, tinham dinheiro e poder e a vítima era “apenas” a filha de uma imigrante venezuelana. Porém, o episódio abalou demais o repórter José Louzeiro que, na época,  foi atrás para investigar e nos contar essa história, mesmo ela tendo sido barrada ao público pelos defensores dos acusados . Na coleta de material para o livro, conta o escritor, que fez mais de cinquenta viagens para Vitória(ES), muitas conversas, entrevistas, com pessoas próximas à família de Aracelli, dos acusados, dos policiais envolvidos no caso. Ele recebeu, inclusive,  muitas ameaças de morte, teve muito medo e apreensão, mas isso não lhe impediu de continuar nesse projeto para trazer à tona a verdade. 

Vinte e sete anos depois, o dia de seu assassinato voltou à tona. O governo FHC promulgou a Lei 9.970/2000, de 17 de maio de 2000, instituindo o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Porém, até hoje seus assassinos continuam impunes. O que nos leva a divagar um pouco e fazer  algumas reflexões sobre esse tema e o papel da escola. 

Diz o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em seu Artigo  70-A que:  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014):[…]

III – a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente. (grifos nossos).

Perguntamos: formação continuada  e capacitação  para os profissionais da educação como?

Nas atuais condições de trabalho que estamos tendo em nossas escolas falar em formação e capacitação tornou-se praticamente um tabu. Como conseguiremos diagnosticar, com propriedade, casos que envolvam maus-tratos e violências entre nossos alunos? Sabemos que elas acontecem e se intensificaram, sobretudo durante o período de pandemia, onde crianças e adolescentes estiveram por um longo período confinados em casa, muitos deles expostos a casos de violência doméstica sem terem a quem pedir socorro, auxílio.  Dados governamentais mostram que 1 a cada 4 meninas será abusada até completar os 18 anos e que 90% dos abusadores são pessoas do convívios familiar ou muito próximas às crianças. (AZEVEDO, 2000)

Voltamos às escolas, mas, pouco ou nada podemos fazer diante deste novo cenário onde inverteram-se as prioridades do processo de ensino-aprendizagem por metas e resultados, pelo preenchimento de tabelas, planilhas, uso de plataformas,…  

Esse tema é de extrema relevância e traz sérias  implicações na vida de nossos alunos que são vítimas de violência. Caberia a nós, educadores, termos esse olhar mais atento e sensível sobre o assunto em pauta. Seria importante podermos estudar e nos aprofundarmos mais nas questões que envolvam o abuso e a exploração sexual de nossas crianças e   adolescentes, sabermos quais mecanismos podem ser utilizados para coibir e  denunciar quem o pratica. Sabermos mais sobre legislação,  órgãos de defesa, reconhecer sinais, pedidos, muitas vezes silenciosos de socorro que eles nos fazem. Mas, a rotina massacrante tem nos limitado a meros reprodutores de conteúdos descontextualizados.  

Todos os dias, deparamo-nos com muitas crianças e adolescentes depressivos, que se automutilam, ansiosos, que apresentam mudanças constantes de humor, que mentem, furtam, são promíscuos em suas relações,  tentam maltratar ou abusar de outras crianças. O fracasso escolar é visto como uma consequência inerente desses comportamentos. Há ainda aqueles que têm uma vontade excessiva de nos agradar, sendo até maduros demais para sua faixa etária. Pensamos serem comportamentos corriqueiros, quando isolados, dentro do ambiente escolar mas, eles podem ser indicadores psicológicos de vítimas de violência e abuso sexual. Sinais. 

Agora, enquanto escrevo este texto, estão chegando vários emails das Redações PR e outras demandas da SEED no meu @escola. Um deles me chama a atenção: orientações do NRE alusivas à data de 18 de maio. Em que momento a escola parou para discutir tal assunto? A prioridade deste mês: Prova Paraná. E o assassinato de Aracelli vai completando 49 anos…impune. 

*Cláudia Gruber, secretária executiva de Comunicação da APP-Sindicato, mestre em Estudos Literários e professora do Colégio Luiza Ross, do NS Curitiba Sul.

AZEVEDO, Maria Amelia Nogueira de (coord.) Telecurso de Especialização na Área da Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes. São Paulo: Lacri/USP, 2000. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 .Estatuto da criança e do Adolescente LOUZEIRO, José. Aracelli, meu amor. São Paulo: Prumo, 2012.

 

 

 

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