Araceli, Irmãs Nakadaira & Rachel – Infância, violência e impunidade! APP-Sindicato

Araceli, Irmãs Nakadaira & Rachel – Infância, violência e impunidade!


Lembro-me com riqueza de detalhes da tragédia anunciada pelas ondas do rádio. Era maio de 1973. Morávamos no sítio e o acesso à informação vinha pelo jornal de emissoras como Rádio Aparecida de São Paulo, Rádio Farroupilha de Porto Alegre, Rádio Tupi do Rio de Janeiro e a Rádio Educadora de Laranjeiras do Sul, a mais próxima de casa. A narrativa era marcante demais para se apagar da memória, embora tivesse apenas oito anos. Refiro-me ao brutal assassinato da menina Araceli Cabrera Crespo. Naquela sexta-feira (18 de maio 1973), a estudante deixaria a Escola São Pedro, em Vitória, para não mais voltar para casa na cidade vizinha de Serra, no Espírito Santo.

Seis dias depois o corpo de uma criança completamente desfigurado foi encontrado nos fundos do Hospital Infantil de Vitória. Constatou-se que tratava do corpo de Araceli.
A menina foi estuprada, drogada, teve seios, abdômen e vagina dilacerados por dentadas e ácido foi atirado em seu corpo afim de dificultar a identificação.

Testemunhas, fatos e inquérito apontaram para os autores do crime: Dante Michelini, seu filho Dantinho e Paulo Helal. Reconhecidamente envolvidos com drogas e suspeitos de outros crimes semelhantes. Os três chegaram a ser condenados num julgamento realizado em 1980. Tendo recorrido e cercados por vários dos principais advogados capixabas, o Tribunal de Justiça do ES anulou a sentença. Cinco anos depois um parecer da justiça os absolveu.

Esse crime é uma saga que envolve poder político e financeiro – os acusados eram apoiadores poderosos da ditadura civil/militar brasileira. Consta que pelo menos 14 pessoas que tiveram conhecimento e poderiam elucidar a trama foram assassinados/as. Mesmo com uma CPI na Assembleia Legislativa do estado e uma enorme repercussão nacional e mundial, esse crime permanece impune depois de 42 anos.

Em maio de 1982, Curitiba e o Paraná foram abalados pela notícia do assassinato das irmãs Elizabete e Cecília Nakadaira. As meninas, com 12 e 10 anos de idade, saíram cedo da chácara dos avós na região do Campo Comprido para alcançar o Colégio Estadual Domingos Zanlorenzi, onde estudavam. Não chegariam ao destino, foram atacadas na estrada margeada pela mata. Na manhã seguinte foram encontradas de tal maneira que os que presenciaram a cena jamais dela se esqueceria. As irmãs foram estranguladas com fio de nylon, estupradas e tiveram seus lápis, canetas e outros objetos introduzidos nos ouvidos, nariz e vagina. A polícia do Paraná prendeu um adolescente que seria o pretenso autor do brutal assassinato que no entanto foi solto por falta de materialidade de provas. Embora anunciassem na própria imprensa que dois maníacos seriam presos, a justiça paranaense jamais elucidou essa tragédia.

Rachel Genofre deixou o Instituto de Educação de Curitiba na tarde do dia 03 de novembro de 2008 onde estudava e não chegou em casa. Com apenas um ano a mais que Araceli, seu corpo foi encontrado dois dias depois na rodoferroviária. O corpo estrangulado, com sinais de violência sexual e esganadura estava condicionado dentro de uma mala abandonada ao lado de indígenas que dormiam sob as marquises do prédio.

Na última sexta-feira (05) um ato organizado pelo movimento feminista relembrou o crime e cobrou a apuração e solução de mais este caso, que depois de sete anos permanece sem qualquer anúncio do responsável.

Esses três episódios ilustram o despreparo, a falta de condições, o desinteresse por parte do poder público em desenvolver no Brasil uma segurança pública que possa prevenir essa criminalidade que é altíssima. Centenas de outros casos igualmente não apurados poderiam ilustrar esse artigo. Milhares de meninas e mulheres, foram vítimas da maldade e da monstruosidade de seres que mais se assemelham a bestas raivosas e que lamentavelmente permanecem à solta oferecendo permanente risco à sociedade.

Se casos com repercussão desses, que ganharam as páginas de revistas e jornais e as telas das TVs do Brasil e até de outros países não foram selecionados, imaginem os que são de repercussão apenas local e que não chegam a causar indignação coletiva?!

Do caso Araceli, além do famoso livro “ARACELI, MEU AMOR”, do esforço investigativo do Jornalista José Louzeiro, foi promulgada em 2000 a Lei Federal 9.970, de autoria da então Deputada Federal Rita Camata(PMDB-ES). Esta lei determina que o dia 18 de maio – data do desaparecimento de Araceli – seja o DIA NACIONAL DE COMBATE AO ABUSO E À EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. E a rua onde fica a casa onde morava a garota passou a chamar Rua Araceli.

As Irmãs Nakadaira também ganharam o nome da Rua em que se transformou a estrada onde foram mortas.
Rachel Genofre poderia também se tornar o nome da Rua onde fica o Instituto de Educação, intitulada Emiliano Perneta, personalidade já homenageada em nome de escolas, bairros ou mesmo da Rua Voluntários da Pátria, onde provavelmente foi abordada e que também está na lateral do Colégio. Seria uma forma importante de não se esquecer esse nome.

Essas feridas abertas da impunidade em crimes provocados pela cultura machista no Brasil precisam ser tratadas para que possam cicatrizar. Ocorre que na atual conjuntura em que o trabalho escolar está sofrendo intensos ataques reacionários e conservadores, pretendendo através de leis amordaçar os professores, inclusive retirando do programa curricular temas como: relações de gênero, religiosidade e política, entende-se que mesmo leis mais severas sobre o assassinato de mulheres não impedirão que novas feridas sejam abertas!

(*) Hermes Silva Leão é professor da rede estadual de Educação Básica do Paraná e presidente da APP-Sindicato

Fontes:
https://www.youtube.com/watch?v=uhqqnaUSoLg – Globo Reporter de 1977;
http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/05/morte-de-araceli-faz-42-anos-e-crime-continua-impune-no-es.html;
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/misterio-sobre-morte-de-irmas-dura-26-anos-bai7jgiw4dcy99w6wm4sf15xq;
http://www.bandab.com.br/jornalismo/sem-resposta-depois-de-33-anos-familia-das-irmas-nakadaira-ainda-tenta-esquecer-crime/

 

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