'Brasil: 125 de abolição inacabada', Celso José dos Santos * APP-Sindicato

‘Brasil: 125 de abolição inacabada’, Celso José dos Santos *


Neste dia 13 de maio repercute-se em todo o país o dia da “abolição da escravatura” que já se vão há 125 anos. Uma data dessas deve ser objeto de reflexão de toda a sociedade brasileira, pois o que somos e o que seremos, depende muito de como percebemos e resolvemos os problemas de nosso passado.

Não podemos simplesmente, como querem muitos, esquecer que a construção deste país, imenso e pujante, bem como desse Estado do Paraná, foi construído pelos povos originários, cujos descendentes remanescem em condições extremamente precárias, denominados de povos indígenas, que foram em grande parte dizimados no contato com o banco europeu, seja por doenças seja pela força empreendida para sua escravização.

Ao mesmo tempo, não se pode apagar que a grandeza de nossa nação foi edificada com braços e mentes africanas e afro-brasileiras, que por quatro séculos foram escravizadas, sobrevivendo a toda sorte de dificuldades, violências, mutilações e desumanidades.

No entanto, não pretendo fazer deste texto um muro de lamentações. Ao contrário, quero destacar que só há Brasil, com sua cultura, com suas edificações, por haver uma latente africanidade presente em todos os espaços, estruturas e relações sociais existentes, muitas vezes ofuscadas ou invisibilizadas pelos que só admitem haver beleza e riqueza na branquitude europeizada de nossa sociedade brasileira.

A esses quero afirmar que só existe arte barroca em nosso país, por que existiram artistas africanos e afro-brasileiros que anonimamente a criaram, embora não pudessem ser seus signatários. Só temos a riqueza musical porque estamos impregnados de ritmos africanos que perpassam desde o Samba até o Rock , desde o Jazz até a Bossa Nova, desde a MPB até o Tango, desde as Cantigas de Roda até o Sertanejo de Raiz. Só temos uma das culinárias mais ricas e diversificadas do mundo, porque os temperos, especiarias e mão africanas transformaram os restos em pratos principais.

Nossas edificações, desde as casas mais simples à construção de estradas de ferro que as tecnologias europeias julgava impossíveis foram construídas com a inteligência e mão de obra africanas e de afrodescendentes.

Por isso, e muito mais, refletir sobre esses 125 anos de abolição inacabada permite ao País encontrar-se com seu passado, reconhecer as atitudes criminosas realizadas e impulsionar a adoção de políticas de reparação e de ações afirmativas, para que a maioria da população brasileira, que é negra, (uma vez que pretos e pardos passaram a ser 50,7% da população brasileira, segundo o senso do IBGE de 2010) possa ocupar o lugar que merece em nossa sociedade, uma vez que todas as estatísticas revelam que para negros somente restaram os piores extratos da sociedade, os piores lugares para habitação, os piores e mais desvalorizados postos de trabalho.

Neste dia de denúncia contra o racismo, que ninguém mais seja barrado num táxi, abordado pela polícia, ou preterido numa entrevista de emprego pela cor de sua pele. Que os noticiário não continuem a propalar o mito da democracia racial, que mascara o racismo institucional introjetado nas estruturas sociais, políticas, econômicas culturais, educacionais, religiosas e de comunicação. Que jovens negros não sejam a maioria dos assassinados pela violência policial, que a população negra não seja a maioria entre analfabetos, desempregados e “desuniversitários”. Que as mulheres negras não sejam as mais acometidas de câncer de colo de útero.

É certo que esse quadro começa, ainda a passos muito lentos, a ser modificado. O PROUNI e as COTAS tem permitido o acesso de jovens negros às Universidades. Os programas sociais de transferência de renda tem permitido que grande parte da população negra, que se encontrava na miséria, tenha saído da extrema pobreza. A criação da Lei 10.639/03 que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, bem como a educação das relações étnico-raciais, em todos os espaços educacionais tem contribuído para que as crianças e jovens negros se vejam representados e valorizados nos espaços escolares, o que tem propiciado sua permanência e elevação de escolaridade.

O Estatuto da Igualdade Racial é um marco legal que não apenas reconhece que o estado brasileiro tem uma dívida impagável para com a população negra, mas possibilita a instituição de políticas públicas de ações afirmativas para efetivamente completar a abolição, que continua inacabada.

Esses avanços não apagam as atitudes racistas cometidas contra negros de todas as idades, gêneros, orientações sexuais e religiosidades, seja explicita ou implicitamente, mas permite constatar que se efetivamente é desejo da nação brasileira construir uma sociedade de igualdade, onde as diferenças não sejam objeto de discriminação, mas valorizadas em sua riqueza de diversidade, é preciso agir.

Nossa geração não pode se dar ao luxo de esperar que o acaso e o tempo resolva nossos problemas do ontem de um escravismo criminoso que continua a gerar problemas no hoje e, infelizmente ainda produzirá muitos problemas futuros. Ao contrário, temos que agir, e rápido, para superar as desigualdades, combater todas as formas de dominação, de machismo, de racismo ou de homofobia. O tempo da sensibilização acabou; Por isso não podemos nos prender a atitudes fundamentalistas e de branquitude.

É preciso denegrir a sociedade, as universidades, o parlamento, o judiciário e o executivo, os livros didáticos e os programas de televisão, os noticiários de jornais e revistas, as propagandas e os postos de destaque no comércio, na indústria, na agricultura e nos setores de serviços. Tornar negro, inclusive nosso vocabulário, não para perpetuar o desfavor em relação à população negra, mas para destacar que a beleza negra é tão bela quanto a beleza branca, amarela ou rosada.

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela)

* Celso José dos Santos é professor PDE da Rede Pública Estadual de Educação do Paraná, Especialista em História e Cultura Africana e Afrobrasileira, Educação e Ações Afirmativas no Brasil. É Advogado, Especialista em Direito do Estado. É integrante do da ANPIR, do FPEDER-PR, da CADARA/MEC, do Coletivo Estadual da APP-Sindicato de Combate ao Racismo. É dirigente Estadual da CUT-PR, do Núcleo Sindical de Paranavaída APP-Sindicato e Representante de Base da CNTE.

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